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Taça para vinho


Estimativa

55.000 - 80.000


Sessão 1

12 Março 2019



Descrição

Jade nefrite entalhado
Índia mogol, possivelmente Agra, c. 1700
(cabelo, pequenos restauros com resina)

2,9 × 12,5 × 7,7 cm


Categoria

Objectos


Informação Adicional



Taça para vinho, finamente entalhada, em jade nefrite branco acinzentado, translúcido e ligeiramente mosqueado, de concha em forma de gota com lóbulos marcados (godrões) e pega em forma de cabeça de cabra. Trata-se da provável representação da famosa cabra de Caxemira (Capra hircus laniger), conhecida por Changthang, e que habita as montanhas a norte no subcontinente indiano, nos actuais Ladakh (no Kashmir) e Baltistan, de onde se obtém a tão apreciada lã de caxemira (do sub-pêlo denso e macio que as protege contra a geada).

A forma lobada ou em godrões da concha remete, quer para conchas marinhas, caso das vieiras, quer para abóboras, ambas as formas reproduzidas em jade nos ateliers imperiais mogóis de Seiscentos. Trata-se de um estilo fortemente influenciado pelo mundo natural, e desde há muito caracterizado por Robert Skelton (Skelton 1972), cujo impulso e génese está no acesso e ulterior influência de obras (objectos preciosos e gravuras) de origem europeia, bem como de uma crescente proeminência da iluminura iraniana, que caracteriza as artes de corte mogóis nas primeiras décadas de Seiscentos, nomeadamente nos reinados dos imperadores Jahangir (r. 1605–1627) e Shah Jahan (r. 1628–1658) — veja-se Markel 1989; Markel 1999; Stronge 2011–2112.

Este estilo caracteriza-se por uma fusão perfeita de elementos naturais, alguns, como as abóboras, de origem chinesa, que distingue esta nova produção hindustânica e a afasta de uma produção anterior de âmbito persa timúrida, onde pontuavam as formas baseadas em protótipos metálicos da Ásia Central, origem da dinastia mogol (veja-se Melikian-Chirvani 1999).

A presente taça de beber, para vinho ou utilizada para tomar ópio dissolvido em vinho misturado com especiarias (conhecido por kawa) — uma prática tão ao gosto tanto dos imperadores mogóis como dos seus ancestrais timúridas (veja-se Khare 2005) — remete pela sua forma geral e iconografia para a famosa taça entalhada em jade nefrite branco puro, datada por inscrição do trigésimo-primeiro ano (1657) de reinado do imperador Shah Jahan, e que apresenta igualmente uma cabra selvagem como pega — Victoria and Albert Museum, Londres, inv. IS.12-1962 (Skelton 1966; Skelton 2010, pp. 286–287). Esta preciosa taça de Shah Jahan, considerada o expoente máximo da arte lapidária dos ateliers imperiais mogóis de meados de Seiscentos, apresenta ainda um pé, finalmente esculpido em forma de flor aberta.

A presente pequena taça de vinho, denotando uma qualidade de entalhe apreciável, nomeadamente na finura das paredes da concha e na delicadeza do bordo (com pequenos restauros dada a sua fragilidade), o que permite identificá-la como obra mogol de atelier principesco, é datável dos últimos anos de Seiscentos, dos finais do reinado do imperador Alamgir, mais conhecido por Aurangzeb (r. 1658–1707).

Um dos aspectos mais curiosos da presente peça é a sua proveniência e história custodial, já que pertenceu à colecção de Elsa Schiaparelli (1890–1973), famosa estilista de origem italiana e rival em Paris de Coco Chanel, figurando as duas como as personagens mais determinantes da história da moda no período de entre as duas grandes guerras (veja-se White 1995). A presença de uma peça desta origem e qualidade na sua colecção poderá dever-se ao seu pai, Celestino Schiaparelli (1841–1919), já que sendo especialista no mundo islâmico e medieval, eminente arabista e professor de língua e literatura árabe no Istituto Superiore di Studi di Firenze e na Universià di Roma, e bibliotecário da Accademia Nazionale dei Lincei (veja-se Nallini 1919–1920), teria tido acesso mais facilitado a um objecto de origem mogol, num período onde a arte deste período não era conhecida e tão apreciada como é hoje.

Proveniência:

Ex-colecção de Elsa Schiaparelli.



Leilão Terminado