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RARÍSSIMA BRACELETE DE CHEFE / OBA DO REINO OWO, POVO YORUBA, SÉC. XVIII


Estimativa

Preço sob consulta


Sessão 2

30 Junho 2021



Descrição

Em marfim africano
Decoração vazada e relevada de motivos geométricos e figura de Oba
Nigéria, Séc. XVIII

Alt.: 12,7 cm Diam.: 10,5 cm


Categoria

Objectos


Informação Adicional

Proveniência: Colecção Comandante Alpoim Calvão (1937-2014)


Nota sobre lote

Esta peça de grande impacto visual, é formada por um duplo cilindro de marfim. O interno – o mais fino – é integralmente perfurado de modo a contornar as figuras entalhadas. O exterior, de maior espessura e também vazado, apresenta uma decoração em banda e em espelho, alternando duas faixas retangulares com duas ovaladas de menores dimensões. Cada uma mostra duas cenas que se desenvolvem, a partir de um encordoado com furações de onde pendem algumas contas, desde o centro e de forma centrípeta, até à periferia.
As bandas retangulares são caracterizadas por duas representações duplas, num total de quatro, de grande complexidade icónica e simbólica: num dos registos, está representado o Oba, figura central de grande expressividade, com pescoço longo, fácies achatada, olhos com pupilas proeminentes e pálpebras pesadas, lábios paralelos e separados. Usa chapéu cónico e cartucheiras ou cintas cruzadas, elementos de fantasia adotados pelos governantes de Owo e Benim. O Rei está suportado por dois subordinados que figuram de perfil. Esta composição em tríade, altamente simbólica, aparece em inúmeras obras de arte a partir do século XVI, exaltando os poderes do Chefe e realça a ideia de que o poder de um governante depende da força daqueles que governa.
A imagem em espelho representa outros quatro guerreiros, também retratados de lado, como se o monarca estivesse rodeado pelo seu próprio exército.
Na outra banda, dois sacerdotes com o tronco em posição frontal e cabeça de perfil, seguram uma cobra e flanqueiam a imagem de um Opanifá ou Ifá - objeto de culto. O Ifá é a fonte do conhecimento e das previsões do futuro – cuja moldura é circundada por mudfish (peixe associado ao deus do mar Olukun) que simboliza prosperidade, paz e fertilidade. Uma das mais poderosas imagens da realeza são as pernas do rei em Mudfish que lhe confere um poder semi-divino.
Em espelho, e também na horizontal, estão representados dois guerreiros de perfil ao lado de um crocodilo que engole um mudfish, ambos animais simbólicos de Olunkun, o Deus do reino aquático. Seguindo o mesmo esquema decorativo, as bandas ovaladas mostram dois guerreiros de frente, de braços abertos, que seguram nas mãos serpentes desenhando um arco – símbolo de realeza.
Tal como outros objetos de marfim Owo, esta pulseira exibe um elevado nível de sofisticação que lhe é conferido não só pelas suas várias texturas e padrões, mas também pela sua densidade decorativa. A representação antropomórfica segue as características das peças de marfim Owo: fácies achatada, olhos de pálpebras pesadas e pupilas proeminentes, penteados cónicos, assim como o estilo perfurado e
a composição em espelho. O virtuosismo técnico do artista que a produziu é por demais evidente nesta magnífica obra de arte.
A iconografia enaltece e representa a liderança própria do Oba do Benim ou do governante de Owo. Braceletes como esta eram de uso exclusivo desses chefes e, quando exibidas no seu braço assumiam um significado intrínseco de poder e de proteção própria. A composição em espelho tem como finalidade o ser lida não só pelo governante que a usa, mas igualmente pelo observador. Por outro lado, a brancura do marfim sugere a espuma do mar e reflete a estreita ligação do Rei a Olukun, Deus do mar, razão pela qual as pulseiras produzidas neste material se destinarem exclusivamente a estes monarcas.
Produzidas a partir do século XVI, os temas e elementos decorativos destas peças de grande erudição, foram repetidos até ao século XX.
As diversas texturas, a iconografia e consistência ornamental de grande erudição que esta pulseira apresenta, confere-lhe um elevado nível de sofisticação, associado ao material utilizado, de uso exclusivo de Chefe Tribal Owo e permitem classificá-la como uma rara e importante obra de arte.
Como já referimos, existe uma peça muito semelhante, praticamente com a mesma iconografia e igualmente atribuída ao século XVIII na colecção do Museu Etnográfico de Viena (Inv.o 74.017). Referimos também outra com muitas semelhanças no acervo do Musée du quai Branly, em Paris, que Ezio Bassani (1924-2018) apresenta no seu estudo de 2008 – Ivoires d’Afrique dans les anciennes collections françaises – e o atribuí ao reino de Owo na Nigéria, considerando-a do século XVI. Lembramos também as pulseiras da colecção do Penn Museum, na Pensilvânia, e a do British Museum (Inv.o Af1898, 0623.1.), que terá sido adquirida no Reino do Benim, ambas com similitudes com a pulseira que agora apresentamos em leilão.



O REINO DE OWO

O reino de Owo (1400-1600), composto principalmente por povos Yoruba, a par do antigo reino do Benim (1440-1897), essencialmente formado por etnias Edo, encontrava-se no Sul da moderna Nigéria e tinha traçado as suas origens com fortes filiações na cultura Ifé, da antiga cidade de Ile-Ifé – o berço da cultura Yoruba. Os laços históricos destes dois reinos com Ifé, contribuíram para o seu sentido de identidade, o que justifica a apropriação e a partilha de certos aspetos políticos, religiosos e artísticos.
No ano de 1951, William Fagg (1914-1992), comparando as obras
de marfim do Benim e as de Owo, conclui que existem grandes semelhanças na iconografia e na técnica, embora existam algumas características específicas que diferenciam um e outro estilo, em especial na face das imagens. Este historiador advoga ainda que os Igbesanmwan – a guilda de escultores de marfim do Benim – devem ter recrutado muitos artesões em Owo, para trabalharem nas suas oficinas. Assim se explica a grande e estreita associação entre os dois centros.


COMANDANTE ALPOIM CALVÃO

Quando falamos do Comandante Guilherme Almor de Alpoim Calvão (1937-2014) mencionamos um dos mais condecorados oficiais das Forças Armadas Portuguesas (com, entre outras, duas Torre e Espada) durante o Estado Novo.
Nascido em Chaves, frequentou a Escola Naval e comandou as milícias portuguesas na guerra colonial em Africa, inicialmente em Moçambique. Entre 1963 e 1974 chefiou o exército português na Guiné-Bissau, tendo sido responsável pela invasão da Guiné Conacri em 1970, que culminou com a libertação de 26 portugueses que tinham sido capturados pelo PAIGC.
Grande colecionador de obras de arte, a sua coleção estava em constante enriquecimento. Nela podíamos encontrar das mais importantes porcelanas de exportação, pintura portuguesa, arte colonial, nomeadamente Namban, Indo-portuguesa e africana, como é o caso desta magnifica Bracelete Yoruba adquirida seguramente nos anos 60/70 durante a sua permanência na Guiné-Bissau.


BIBLIOGRAFIA

BASSANI, Ezio – African artefacts in European collections- 1400-1800. Londres: British Museum Pubns itd, 2000. BASSANI, Ezio e FAGG, William – Africa and the Renaissance: art in ivory. Nova Iorque: Prestel, 1988.
BASSANI, Ezio - Ivoires d’Afrique dans les anciennes collections françaises. Paris: Actes Sud, 2008.
FAGG, William – Afro-portuguese Ivory. Londres: Batchworth Press, 1959
DUCHATEAU, Armand, Benin Tresor Royal: Collection du Museum fur Volkerkunde, Vienne, cf. Editions Dapper, 1990, p. 85.

A Veritas Art auctioneers agradece à Professora Teresa Peralta a informação partilhada para o estudo desta peça.
Tiago Franco Rodrigues



Leilão Terminado