Leilão 113 Antiguidades e Obras de Arte, Pratas e Jóias

142

Importante Caneca com tampa da colecção do Rei D. Fernando II (1816-1885)


Estimativa

2.500 - 3.500


Sessão 1

15 Março 2022



Descrição

Caneca com tampa em prata portuguesa, séc. XIX
Corpo duplo sendo o interior em prata dourada lisa e o exterior com profusa decoração repuxada e cinzelada de mascarões femininos, motivos florais, vegetalistas e frutos, entrelaçados com volutas
Botão da tampa em forma de açafate de frutas
Asa decorada com folha de acanto, motivos vegetalistas e mascarão barbado, apoio do polegar com busto feminino neomedieval
Base marcada com o símbolo de D. Fernando II, F gótico coroado com coroa real e o número de inventário da colecção real, nº 36
Marca de ourives CIMS de Cirilo José Maz da Silva (L-198.0), registado em 9 de Junho de 1826, marca de contraste da cidade de Lisboa, (L- 42.0) em uso de c. 1822 a c. 1860

Alt.: 16 cm
845 g


Categoria

Pratas


Informação Adicional

Bibliografia:
F. Moutinho de Almeida/Rita Carlos
"Inventário de Marcas de Pratas Portuguesas e Brasileiras"
séc. XV a 1887
pp. 141, 111


Ensaio de catálogo

Figura marcante no panorama cultural português do século XIX, D. Fernando II (1816-1885) dedicou-se, de forma empenhada, ao colecionismo de arte logo após ter chegado ao nosso país, em 1836, vindo de Viena, na sequência de ter contraído matrimónio com D. Maria II (1819-1853). Entre os seus diversificados interesses, a ourivesaria ocupava um lugar relevante, como dá conta o inventário por si manuscrito em 1866, onde elenca os objetos até então reunidos, descrevendo-os, classificando-os, propondo datações e fazendo, por vezes, apreciações técnicas e estéticas acerca dos mesmos. Revela ainda as proveniências, tanto no caso de aquisições por si efetuadas como de ofertas recebidas e, para não deixar dúvidas quanto à posse, escreve no final de cada comentário “Propriedade Minha”. Doado ao Palácio Nacional da Pena, em cujo arquivo se conserva, este inventário foi recentemente estudado e disponibilizado online, permitindo ampliar o conhecimento sobre diversas peças hoje dispersas por diferentes coleções públicas e privadas, nacionais e estrangeiras ou em paradeiro incerto, consequência das partilhas efetuadas após a morte de D. Fernando II. A caneca agora colocada em praça surge neste documento com o n.º 119, no “Caderno I”, dedicado aos “Objectos de prata, ouro, etc.”: N.º 119) Caneca de prata por dentro dourada em relevo e cinzelada. Feita no estilo da renaissance, na officina de R. Pinto. Foi-me dada pela rainha D. Maria II de saudosa memoria, é uma bonita peça e tem a particularidade de me ter servido desde os primeiros annos depois da minha chegada a este paiz até ao dia de hoje, para conter a agoa para lavar a bocca; e accompanhou-me em muitas viagens n’este paiz. – Tem tampa móvel. Propr. minha. Somos assim informados ter sido executada na oficina do ourives da casa real, Raimundo José Pinto (1807-1859), não por acaso, o principal fornecedor de peças antigas e modernas para o rei-consorte. Mestre do ofício de ourives do ouro, afirmou-se como empresário e negociante, sendo detentor de uma muito ativa oficina onde, sabemos agora, trabalhou Cirilo José Maz da Silva, cuja marca (registada em 1826) está presente na caneca em apreço. Raimundo era, de resto, coproprietário da sociedade Pinto & Sousa, estabelecida na Rua da Prata, em Lisboa, a que sucedeu, após a sua morte, a firma de Estevão de Sousa. Informa igualmente o inventário ter sido esta peça oferecida pela rainha D. Maria II, então já falecida, destinando-se a conter água para a higiene oral do marido (o que justifica o interior liso em prata dourada), tendo-o acompanhado desde cedo em muitas deslocações pelo país. Era, como se constata, muito acarinhada pelo rei, fruto do sentimentalismo Romântico então vigente, não estando aqui em causa a antiguidade ou valor artístico com que fez nivelar a coleção, bem evidente no núcleo de ourivesaria civil portuguesa do século XVI, em parte conservado hoje no Palácio Nacional da Ajuda. Conhecedora dos interesses do marido, D. Maria II presenteou-o com outras peças de ourivesaria incluídas no inventário e cujo paradeiro atual permanece, na maioria dos casos, desconhecido. D. Fernando II não deixou de aludir a essas ofertas no “diário memorial” escrito após a morte precoce da rainha, documento à guarda da Torre do Tombo e que importa aqui citar: Maria era tão boa, que prazer ela tinha em adivinhar os meus gostos. Para me ser agradável, ela, que antes não tinha a menor ideia de tais coisas, aprendera a apreciar e a amar as obras de arte. Com que alegria ela me trazia uma gravura de um bom mestre, alguma linda água-forte antiga ou algum belo trabalho em prata ou em prata dourada! Tudo o que veio dela, tudo o que ela arranjou e instalou comigo será sempre querido e precioso! A caneca que agora nos ocupa foi mandada gravar na base com a marca de posse do rei (F gótico coroado) e o número 36 correspondente, não ao inventário atrás mencionado, mas a um outro realizado por um dos seus secretários e datável de 1858, documento conservado na Torre do Tombo. Aí vem descrita como “trabalho moderno, imitando o antigo, com cinco mascarões, sendo um na aza”. Na sequência da morte de D. Fernando II foi, por fim, inventariada no Toilette dos seus aposentos no Palácio das Necessidades, com o n.º 2283, o que revela ter continuado a ser utlizada para a função que lhe tinha sido inicialmente destinada. Surge-nos descrita como uma “imitação dos trabalhos da Renascença”, tendo sido avaliava para efeitos de partilhas entre os herdeiros em 36 mil réis. De acordo com este “inventário orfanológico”, também à guarda da Torre do Tombo, integrou o núcleo de objetos herdados pelo infante D. Afonso, duque do Porto (1865-1920), popularmente conhecido por “O Arreda” dado o interesse que nutria por automóveis e velocidade. Foi provavelmente alienada em vida do infante, tal como sucedeu com algumas outras pratas provenientes da coleção do avô e que passaram para a posse do conselheiro João Arroyo (1861- 1930), em cujo leilão de 1905 foram vendidas.

Hugo Xavier

Bibliografia: Hugo Xavier, “Propriedade Minha”: ourivesaria, marfins e esmaltes da coleção de D. Fernando II, Coleções Em Foco | Palácios Nacionais |Sintra Queluz Pena, n.º 4, PSML, 2022. Disponível online em www.parquesdesintra.pt



Leilão Terminado