Leilão 116 Antiguidades e Obras de Arte, Pratas e Jóias

416

Ex-voto


Estimativa

7.000 - 9.000


Sessão 2

20 Julho 2022



Descrição

Representação da nau do trato (“kurofume”)
Pintura a têmpera sobre madeira de cedro do Japão
Presumivelmente de um atelier de Kyoto
Dinastia Edo, circa 1620-1635

26x36,5 cm


Categoria

Objectos


EX-VOTO

Agradecemos ao Doutor Pedro Dias, Professor Catedrático Jubilado de História da Arte da Universidade de Coimbra, a nota que publicamos seguidamente. “Estamos em presença de um dos raros ex-votos (“ema” em japonês) representando a nau do trato, a “kurofume”, o que significa literalmente navio preto, devido ao aspecto que tinha, com o casco revestido de pez, para isolar a madeira. Estas naus faziam a viagem de Goa até Nagazaki e regresso, com escala em Malaca e Macau, e eram o principal meio para levar mercadorias preciosas e armas para os japoneses, recebendo-se os pagamentos maioritariamente em prata e também e objectos de luxo, como pequenos móveis de tipologia europeia. A seda e a prata entravam nesta complexa teia de trocas, como contributos cruzados entre a China e o Japão. Foi assim estabelecida uma rota comercial regular e frutuosa para ambas as partes, e também para comerciantes chineses e malaios que participavam nas viagens. A chegada dos primeiros portugueses ao Japão ocorreu, em 1543, à cidade costeira de Tanegashima e, pouco depois, iniciou-se essa viagem anual que era controlada pelo Estado Português da Índia. Este intercâmbio terminou, em 1639, quando o shogun Tokugawa decretou uma política de isolacionismo, depois do massacre de Shimabara, da expulsão dos portugueses, já antes confinados à Ilha de Dejima, e da proibição, sob pena de morte, do culto católicos, mesmo para os japoneses. A partir daqui, foram raros os navios que comerciaram com o Japão, até 1853, quando da reabertura de portos a algumas nações ocidentais, desde logo aos Estados Unidos da América. Conhecemos três destes ex-votos, porque é disso que se trata, sendo o mais divulgado o que pertenceu ao erudito Francisco Hipólito Raposo, por ter estado em várias importantes exposições, em Portugal e alémfronteiras. Tem caracteres, à esquerda, que indicam claramente que é um ex-voto em que é desejada uma boa viagem, e à direita onde é legível a data de 1632. Outro praticamente igual está hoje numa colecção do Porto, mas não tem caracteres. O que aqui estudamos é igualmente outro que só se diferencia dos anteriores em pequeníssimos pormenores. Não está datado, mas os caracteres podem traduzir-se como segurança e regresso a salvo, e dinheiro ou prosperidade, além de viagem.

Sabemos que há outros ex-votos como estes, todos no templo de Kiyomizudera, em Kyoto. No entanto, não estão à vista dos visitantes, e soubemos da sua existência por colegas japoneses, mas não os vimos pessoalmente. É feito em madeira de cedro do Japão, “Cryptomeria Japónica”, sendo a pintura a têmpera fina aplicada directamente sobre a placa com base e lados rectos, e com uma moldura superior triangular. As molduras são da mesma madeira, mas foram enegrecidas. O que o ex-voto representa (o que os três representam) é o barco negro português, numa versão muito simplificada das dos grandes biombos que relatam pictoralmente a chegada do navio e dos portugueses a um porto do Japão, certamente Nagazaki, de que se distinguem os que se podem atribuir a Kenzo Naizen, como os do Museu Nacional de Arte Antiga, mas devemos lembrar diversos outros com a mesma temática, nomeadamente os das colecções imperiais japonesas e os do Museu Nacional de Soares dos Reis. A imagem é mais elucidativa do que as palavras. A pintura é delicada, a têmpera, como se referiu antes, mostrando uma nau bastante simplificada, mesmo em relação às pintadas no âmbito da “Escola” de Kano, com quatro mastros, proa e popa elevadas e com cerca de dez portugueses no convés e outros num batel que se aproxima do lado da proa. As velas já estão recolhidas, o que indica que a viagem ou ainda não começou ou que terminou. Reiteramos que esta raríssima obra de arte namban deverá datar, como os outros de entre 1620 e 1635, e terá sido pintada numa oficina activa no templo de Kiyomizu-dera, em Kyoto, sempre pronta a realizar destes e de outros ex-votos, ofertas comuns antes da chegada dos portugueses ao Japão, e também depois, mas obviamente já sem iconografia que ligasse os ofertantes aos cristãos que tinham sido banidos.



Leilão Terminado