Leilão 109 Colecção Conde da Póvoa - Quinta da Serra

54

D. Pedro V

Célestin Anatole Calmels (1822-1906)


Estimativa

2.500 - 3.500


Sessão 1

28 Setembro 2021



Descrição

Escultura em mármore branco
Assinada e datada 1866
(pequeno restauro numa das dragonas)

Alt.: 40,5 cm


Categoria

Escultura


ANATOLE CÉLESTIN CALMELS

Anatole Célestin Calmels, nasceu a 26 de março do ano de 1822 na cidade de Paris, e foi a partir do ano de 1858 que desenvolveu a sua atividade artística na cidade de Lisboa. Discípulo de um dos mais clássicos estatuários do romantismo francês, foi com James Pradier (1790-1852) que aprendeu a formalizar a sensualidade com alusão formal ao helenismo e a considerar o refinamento da execução como um factor fundamental à honorabilidade da escultura. A partir de 1837 frequentou a École des Beaux-Arts onde foi aluno do escultor François Joseph Bosio (1768-1845) e do pintor neoclássico Merry-Joseph Blondel (1781-1853). No ano de 1839 participou no concurso “Prix de Rome” onde ganhou o 2º lugar e a partir do ano de 1843 começou a participar continuamente nos salons e nas exposições universais de Paris, fundamentais para recolher os resultados do seu trabalho, e o prémio máximo que alcançou foi a medalha de ouro de 3º Classe no ano de 1852, com o modelo em baixo-relevo Nascimento da Virgem para a igreja de S. Maurício em Lille. Entretanto no ano de 1849 foi galardoado com uma menção honrosa pelo Busto de Géricault, em 1850-51 com a Estátua de Denis-Papin para a fachada da Câmara de Paris e em 1853 com a estátua Calypso encomendada pelo Imperador Napoleão III para o Palácio das Tulherias. O facto de ter sido discípulo de nomes tão influentes como Pradier, Bosio e Blondel, alicerçado às suas disposições artísticas e a uma persistência para a prática da escultura, permitiram-lhe mover influências junto das figuras do poder. Desta forma foi solicitado pelo perfeito do Sena para realizar um S. Clemente para a Torre de S. Jacques, presente na Exposição Universal de 1854. Para o pavilhão de Rohan no palácio do Louvre elaborou um Massena. Destaca-se também as esculturas de S. Napoleão, Stº Eugénio e S. José que realizou para a casa EugénioNapoleão, por encomenda da prefeitura do Sena, e que figurou na exposição Universal de 1856. Estas são apenas as suas obras mais conhecidas em França. Numa relação de obras editada em Lisboa no ano de 1860 são descritas mais de cinco dezenas de peças. Essa relação é o único documento que possibilita uma aproximação à obra que realizou e que antecipa a sua actividade em Portugal. Terá chegado a Portugal no ano de 1858, numa altura em que o Rei D. Fernando II tentava reformular a Academia de Belas-artes, e num texto da sua autoria, publicado no Diário Ilustrado de 10 de Abril de 1904, para homenagear a 3ª Condessa de Palmela, encontramos as seguintes palavras: “A illustre Mãe da Duquesa honrou me com o encargo de dar as primeiras lições a sua filha, então solteira, com desasete anos férteis de promessas d’ espirito e de coração”. Os 17 anos da Duquesa de Palmela coincidem com o ano de 1858. O facto de ser estrangeiro não impediu que o município do Porto lhe atribuísse o risco do Monumento a D. Pedro IV. Obra onde seguiu as instruções do seu mestre Bosio, que recomendava para os baixosrelevos o pitoresco e a vivacidade do detalhe realista apontando para a fidelidade no traje e no retrato. Mas, o escultor não desconsiderava o concurso que com o mesmo desígnio acontecia em Lisboa, e o enorme interesse que se manifestava em torno do memorial a erguer na capital. Certamente conhecia a série de tentativas frustradas que desde 1834 se haviam sucedido, e podemos observar que isso tê-lo-á levado a fixar-se em Lisboa no ano de 1858 e a apresentar uma primeira maquete da figura equestre do Rei D. Pedro IV, a que se sucedeu um outro projecto de coluna com estátua, ambos sem concretização. Deste ano é também um colosso de Himeneu para as festas do casamento entre o Rei D. Pedro V e da Rainha D. Estefânia. Pela mesma altura recebeu a primeira encomenda regia, realizada por parte do jovem monarca, de uma imagem do Menino Jesus, destinada a jovem Rainha. Por volta de 1862 foi professor interino da Academia de Belas-Artes de Lisboa, e é sabido que formou um restrito círculo de artistas no seu atelier – instalado na igreja do extinto mosteiro de São Bento em Lisboa – dos quais se destaca Leandro Braga (1839-1897), José Rodrigues Vieira (1856-1898), Jorge Augusto Pereira e Margarida de Lima Mayer (1876-1962) e António Alberto Nunes (1838-1912). Este mesmo ateliê/ oficina de escultura está intrinsecamente associado à actividade que desempenhou para a Câmara dos Pares, sendo este o verdadeiro repositório de iconografia do constitucionalismo em Portugal. A título de exemplo mencionamos o medalhão em alto-relevo esculpido em mármore que representa o Rei D. Pedro IV, ladeado pelas figuras alegóricas da Liberdade e do Valor, e o que representa a Rainha D. Maria II, ladeada pelas alegorias à Sabedoria e a Maternidade. Destacamos também as efígies em bronze do Duque de Palmela e do Patriarca D. Guilherme como exemplos do acervo parlamentar que contribuíram para a afirmação do prestígio que este escultor de origem francesa deteve junto das instituições de poder português. No nosso país assumiu uma atitude de escultor oficial sob os reinados de D. Pedro V e do seu irmão D. Luís, atitude imprescindível para obter encomendas e que estava evidente, num sentido lato, no espírito dos artistas da época. Destaca-se a representação do Rei D. Pedro V (da colecção do Palácio Nacional da Ajuda). Proveitosa na sua carreira foi a produção caucionada pelo governo francês e os projectos de envergadura que constavam no seu curriculum, que atraíram a atenção do Rei- Consorte D. Fernando II. O que fez com que lhe encomendasse obra, evidenciando-se a escultura Amor Maternal datada de 1859 (hoje no acervo do Palácio Nacional da Ajuda com o número de inventário 3463), um Amor Filial (de paradeiro desconhecido) e um Cupido tocando lira datado de 1860 e que figuravam na galeria do rei D. Fernando II no palácio das Necessidades. Ainda no âmbito da escultura decorativa popular, mas adoptando uma tipologia popular, destaca-se a escultura Mulher com bilha à cabeça (também no acervo do Palácio Nacional da Ajuda com o número de inventário 562) e há a notícia de uma Varina, que terá sido feita para a galeria de D. Fernando no ano de 1867. A par destas obras destaca-se uma Ovarina que foi apresentada na Exposição Internacional do Porto de 1865 onde foi adquirida por Alfredo Allen. Perante estas peças podemos considerar que Calmels rapidamente se deixou imbuir pelo gosto da época, evidenciando a influência que os temas populares tiveram na sua obra. Tais antecedentes predispuseram o rei D. Luís I a encomendar-lhe um busto (o mesmo encontra-se no acervo do Palácio Nacional da Ajuda com o número de inventário 4087) ornado de magnifica indumentária onde se contempla a farda de oficial do exército, com casaco assertoado, de botões circulares com as armas reais portuguesas, sendo a gola bordada com folhas de carvalho e de loureiro. Na colecção do mesmo museu destaca-se também os pés e as mãos da Rainha D. Maria Pia que terá esculpido entre os anos de 1870 e 1889 uma vez que também chegou a dar aulas de escultura a própria Rainha. No ano de 1889 foi o responsável pela realização do inventário e avaliação do acervo régio de escultura. Se não deixarmos de admirar os seus bustos, que lhe permitiram seduzir a burguesia, o poder e o mundo das letras, nem muito menos as graciosas estatuetas que idealizou, temos de reconhecer que a sua versatilidade como escultor lhe possibilitou fornecer o município de Lisboa com obra monumental do Arco do Triunfo da Praça do Comércio. Um conjunto escultórico que exibe uma qualidade à altura de um escultor experiente que só um estrangeiro com o seu perfil estava apto a cumprir. Artista da absoluta confiança da família da 3ª Condessa de Palmela, continuou a trabalhar ao seu serviço, realizando em 1879 para o duque um busto de Alexandre Herculano. Obra que foi exibida no ano seguinte na Sociedade Promotora de Belas-Artes. No mesmo ano também apresentou a obra A Dor, trabalho destinado ao túmulo de D. Pedro, filho da duquesa de Palmela falecido em 1869. Mas foi na última década de Oitocentos que o autor realizou para Dona Maria Luísa uma das suas obras mais emblemáticas. Motivada pela morte prematura do seu único filho varão, a duquesa encomendou duas imponentes esculturas, para decorar o vestíbulo do palácio do Rato. Retomando o tema de 1880, coube a Calmels a execução de uma magistral Dor, en pendent com uma maternidade, assinada por Guillaume. Por fim, uma das últimas encomendas da Casa Palmela, que julgamos ser também um dos últimos trabalhos de Calmels, foi a decoração escultórica para o portal do mesmo palácio. De acordo com o seu traçado, em 1886 era refeita a porta principal do edifício, cujo projecto contemplava duas esculturas alegóricas à Força Moral e ao Trabalho, as duas esculturas apenas foram dispostas no ano de 1902. Faleceu em março de 1906 e foi sepultado no cemitério dos Prazeres no início da tarde de 25 de março.

Breve caracterização da obra de Calmels

As aparatosas estatuetas que realizou são reveladoras de um sentido plástico e pertencem à mesma ordem de valores estéticos arreigados ao classicismo, que agradava a um círculo restrito de amadores que não estavam isentos de convenções académicas. Representante dos últimos ecos do romantismo no nosso país, se Calmels pouco contribuiu para uma atualização dos valores estilísticos em Portugal, veiculou aos seus alunos o refinamento de execução que era apanágio da sua obra. Ramalho Ortigão, ao pronunciar-se sobre o ensino artístico, lembrava que, num contexto onde trabalhavam “escultores como Soares dos Reis, Simões de Almeida, Tomás Costa, Teixeira Lopes, Nunes, Duquesa de Palmela, pode-se afoitamente dizer que há uma arte, e deve-se acrescentar que há uma escola”, um corporativismo que incluía dois dos mais assinaláveis discípulos de Calmels.

O busto de D. Pedro IV

Conhecem-se pelo menos duas provas do busto em gesso de D. Pedro IV, datados de 1860, e o mesmo foi tirado pelo escultor quando o Rei tinha 23 anos. Altura em que o jornalista José Maria Latino Coelho (1825- 1891) o descreve comentando um desenho de Nogueira da Silva para o 1º tomo do “Arquivo Pitoresco”: “fronte juvenil onde quase já se podiam descobrir vincos precoces deixados pela assiduidade ao estudo, uma fisionomia denunciadora de hábitos de reflexão e afeição aos encargos da magistratura.” Este modelo foi apresentado na Exposição Industrial do Porto de 1861, que o monarca inaugurou, tendo figurado na Exposição Universal de Paris em 1867 Suficientemente expressivo o rosto do monarca apresenta-se sobre uma peanha com o rei visto de frente, fardado com charlateira e sem cordões (ao contrário do busto do acervo do PNA). A face é lisa e de traços corretos, usa pequeno buço e cabelo apartado à esquerda e apresenta um olhar determinado. Sob o ponto de vista estilístico denota-se a influência nítida do francês James Pradier cujo busto do Duque de Orleans (podemos encontrar o bronze no Museu do Louvre) deve ser confrontado.

TIAGO FRANCO RODRIGUES

Bibliografia: AA. VV. – As Belas-artes do romantismo em Portugal, Museu Nacional Soares dos Reis, Porto Diário Ilustrado, Lisboa, nº 11:869, 25 Março 1906, p. 2. F. de Pamplona - Dicionário de pintores e escultores portugueses ou que trabalharam em Portugal. Vol. 1. Lisboa: 1954, p. 173 R. Mendonça - The reception of classical sculpture in the Lisbon Fine Arts Academy, Tese de Doutoramento em Belas Artes na Universidade de Lisboa, 2014. S. C. Saldanha - “Maria Luísa de Sousa e Holstein Beck”, in Dicionário no Feminino, Vol. II, Lisboa, Livros Horizonte. S. C. Saldanha – “Nobre ama-dora, Mulher escultora. A obra de Maria Luísa de Sousa Holstein (1841-1909)”, 3ª Condessa de Palmela”, Margens e Confluências, Nº 1, Guimarães, Escola Superior Artística do Porto. S. C. Saldanha- “Filantropia e Arte. A obra de escultura da 3ª duquesa de Palmela” in Cidade Solidária – Revista da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. N.º 18, Ano X.



Leilão Terminado