Leilão 116 Antiguidades e Obras de Arte, Pratas e Jóias

422

Contador Namban


Estimativa

20.000 - 25.000


Sessão 2

20 Julho 2022



Descrição

Em madeira lacada a negro decorada a ouro e com polvilhado a pele de raia
Com duas portas e diversas gavetas de vários formatos
Ferragens em cobre dourado
Japão, Período Edo, circa 1630-1640

31x42x28,3 cm


Categoria

Objectos


CONTADOR NAMBAN

Um contador de duas portas Namban em madeira lacada (urushi), replicando um protótipo ibérico de móvel de conter, o contador ou cabinet, com duas portas à semelhança de um armário. Com diversas gavetas de diferentes formas, contadores como o presente foram concebidos para guardar documentos importantes e cartas, jóias e pequenos objectos preciosos, sendo imprescindíveis nos interiores domésticos quinhentistas europeus. Quando aberto, apresenta: oito gavetas dispostas em quatro fiadas, sendo a primeira de uma gaveta única mais comprida, a segunda composta por duas, uma a meio, ocupando as duas fiadas inferiores, com arcaria ao modo dos contadores europeus da época, ladeada por duas gavetas sobrepostas de cada lado. Móveis de conter como o presente eram de uso obrigatório para oficiais, nobres e mercadores europeus estantes na Ásia, sendo produzidos numa variedade de materiais exóticos e valiosos, tais como a tartaruga, o marfim ou a delicada laca decorada a ouro, muito apreciada e avidamente procurada na Europa dado não apenas o seu apelo estético, mas também a perfeição técnica posta na sua execução. À semelhança de outros móveis lacados Namban produzidos já depois da expulsão dos portugueses, a decoração deste contador é em tapete, com campo preenchido por polvilhado de dentículos de pele de raia (samegawa ou samekawa) e largas cercaduras decorativas. Enquanto o campo da frente (com as duas portas) apresenta um medalhão em forma de losango ou diamante (decorado por um faisão junto a alguma vegetação), o das ilhargas é em forma de dióspiro (fruto do kaki, ou Diospyros kaki), com o da ilharga esquerda apresentando campânulas ou kikyo (Platycodon grandiflorum), e o da direita com uma larga flor, possivelmente uma magnólia ou mokuren (Magnolia liliiflora). O presente contador de duas portas pertence, portanto, ao mobiliário lacado dito samegawa nanban, grupo específico da produção Namban caracterizado pela utilização de pele de raia na sua manufactura. Apenas os grãos duros ou dentículos da pele de raia (same) eram utilizados (extraídos após o apodrecimento da matéria orgânica que os liga à derme animal), polvilhados sobre a superfície a decorar, depois coberta de laca (urushi) e polida com pedra-pomes, sendo a técnica de aplicação com laca conhecida por samegawa-nuri. Porquanto logo em 1603 encontramos o vocábulo same no Vocabulário da Lingoa de Iapam da autoria de missionários jesuítas que residiam no Japão descrito como pele de raia, utilizada para a decoração de punhos e bainhas de espada, as primeiras referências a este mobiliário lacado Namban com pele de raia encontram-se nas facturen (conhecimentos de embarque) de ca. 1635-1645 da Companhia Holandesa das Índias Orientais ou V.O.C., sendo descritos com grandes encómios de admiração. A refinada decoração a ouro aplicada a esta caixa-escritório de médias dimensões, conhecida por maki-e, literalmente "pintura polvilhada", era comum no período Momoyama (1568-1600) no Japão, e também nos inícios do período Edo que se lhe seguiu. É neste período e contexto de mútua aculturação que surge um tipo especial de laca para exportação combinando embutidos de madrepérola com um tipo de decoração conhecida por hiramaki-e, a que se chama nanban makie ou nanban shitsugei. O vocábulo Nanban, igualmente grafado como Namban, ou Namban-jin, (literalmente "Bárbaros do Sul"), de origem chinesa, surge utilizado para identificar mercadores, missionários e marinheiros portugueses e espanhóis após a sua chegada ao Japão entre os séculos XVI e XVII, tendo sido empregado também para designar um grupo de objectos lacados e outros produtos produzidos no Japão para consumo interno ou para exportação, reflectindo um gosto ocidental, sendo modelados sobre protótipos europeus, tal como o presente contador de duas portas, indicando já a adopção de modelos holandeses. Objectos de estilo Namban, produzidos em exclusivo para exportação, combinam técnicas, materiais e motivos decorativos japoneses com estilos e formas europeias. Da mesma produção com polvilhado de pele de raia (embora com inclusão de madrepérola na sua decoração), refira-se uma caixa-escritório outrora da colecção de Francisco Hipólito Raposo, Lisboa.



Leilão Terminado