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Arqueta
Estimativa
22.500 - 30.000
Sessão 2
20 Julho 2022
Valor de Martelo
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Em madeira lacada a negro, ouro, madrepérola, pele de raia e cobre dourado
Japão, Período Edo, circa 1630-1650
25x50x24 cm
Categoria
Objectos
Informação Adicional
Proveniência:
Coleção privada Inglesa
A ARQUETA
Esta arqueta de tampo plano com arestas salientes, chanfradas, copiando modelo europeu quinhentista replicado também na Índia, é feita em madeira lacada de preto (urushi), decorada a ouro (maki-e), com embutidos de madrepérola (raden) e polvilhada de pele de raia (same). Apresenta junto uma única gaveta sob todo o comprimento com fechadura própria, por sima do soco, que a eleva, saliente e decorado com ouro em friso de triângulos. As ferragens (kazarikanagu) de cobre dourado, finamente decoradas com motivos florais sobre fundo puncionado conhecido por “ovas de peixe” (nanakoji), incluem: o espelho de fechadura (aimeita) recortado e vazado com sua lingueta, o espelho de fechadura recortado da gaveta inferior, as gualdras ou alças das ilhargas, e as argolas interiores (no tampo e frente) que permitiam manter aberta a arqueta através de corrente (hoje desaparecida). À semelhança de outros móveis lacados Namban produzidos já depois da expulsão dos portugueses, a decoração desta arqueta é em tapete, com campo preenchido por polvilhado de dentículos de pele de raia (samegawa ou samekawa) e largas cercaduras decorativas de friso de triângulos. Enquanto nas ilhargas e tardoz o campo é integralmente revestido com polvilhado de pele de raia, na frente sobressaem dois leques de folha desdobrável abertos, em simetria, flanqueando o grande espelho de fechadura. O da esquerda tem um par de pássaros pintado a ouro sobre bordo japonês ou momizi (Acer palmatum), e o da direita está decorado com plantas floridas, talvez crisântemos ou kiku (Chrisanthemum morifolium). No tampo destaca-se um grande leque aberto, decorado também a ouro e madrepérola representando um par de faisões (provavelmente macho e fêmea), uma cameleira japonesa, tsubaki ou wabisuke (Camellia japonica) e uma laranjeira tachibana (Citrus tachibana). A presença de pares de animais na frente e tampo indica tratar-se de um objecto matrimonial, à semelhança de muito do mobiliário asiático feito para exportação destinado ao mercado europeu nos séculos XVI e XVII. Quando levantado, no interior do tampo ressalta uma planta florida e um animal (lebre?), que contrasta com o restante integralmente revestido a laca negra. Coroando esta figuração, chama-nos a atenção uma inscrição pintada a ouro (aposta em data posterior, oitocentista) em letra gótica revivalista “A. R. Eibbs”, nome de antigo proprietário de apelido Eibbs, família inglesa de Warwickshire no centro de Inglaterra. A decoração a ouro aplicada a esta arqueta, conhecida por maki-e, literalmente “pintura polvilhada”, era comum no período Momoyama (1568-1600) no Japão, e também nos inícios do período Edo que se lhe seguiu. É neste período e contexto de mútua aculturação que surge um tipo especial de laca para exportação combinando embutidos de madrepérola com um tipo de decoração conhecida por hiramaki-e, a que se chama nanban makie ou nanban shitsugei. Namban, ou Nanban-jin (literalmente, “Bárbaro do Sul”) é um termo japonês derivado do chinês que se refere aos mercadores, missionários e marinheiros portugueses e espanhóis que aportaram ao Japão nos séculos XVI e XVII. Namban tornou-se igualmente sinónimo do tipo de laca e outros produtos encomendados no Japão para o mercado interno ou para exportação, apostos maioritariamente em peças de mobiliário que copiam protótipos europeus tal como esta arqueta e que reflectiam o gosto ocidental. Objectos lacados de estilo Namban, produzidos em exclusivo para exportação, combinam técnicas, materiais e motivos decorativos japoneses com estilos e formas europeias (com excepçao dos ventós). Enquanto cofres e baús de tampo abaulado, escritórios, ventós, caixas e estantes de missal são tipologias relativamente frequentes e das quais sobrevivem alguns exemplares, arquetas deste tipo de tampo plano, referidas na documentação neerlandesa como kist, são raras sendo de referir um exemplar desta forma, também com gaveta inferior, integralmente decorado com animais e flores a ouro e madrepérola que em 1990 pertencia à colecção do arquitecto José Lico, Lisboa. Um outro exemplar pertence à Royal Collection, Reino Unido (inv. RCIN 39244). Peças cobertas de polvilhado de pele de raia são raras e incluem ventós, escritórios, contadores de duas portas, e em especial baús e cofres de tampo abaulado. Oliver Impey e Christiaan Jörg, no seu monumental Japanese Export Lacquer não registam exemplares de arquetas de tampo plano com decoração de pele de raia, ou polvilhada de dentículos.
HUGO MIGUEL CRESPO
Centro de História, Universidade de Lisboa
Bibliografia: CANEPA, Teresa, “Namban lacquer for the Portuguese and Spanish missionaries”, Bulletin of Portuguese / Japanese Studies, 18-19, 2009, pp. 253-290. CANEPA, Teresa, Silk, Porcelain and Lacquer. China and Japan and their Trade with Western Europe and the New World, 1500-1644, Londres, Paul Holberton publishing, 2016. CURVELO, Alexandra, “Nanban Art: what's past is prologue”, in Victoria Weston (ed.), Portugal, Jesuits and Japan. Spiritual Beliefs and Earthly Goods (cat.), Chestnut Hill, MA, McMullen of Art, 2013, pp. 71-78. IMPEY, Oliver, JÖRG, Christiaan J. A., Japanese Export Lacquer, 1580-1850, Amesterdão, Hotei Publishing, 2005. PINTO, Maria Helena Mendes, Lacas Namban em Portugal. Presença portuguesa no Japão, Lisboa, Edições Inapa, 1990.
Leilão Terminado