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Sem título

Cildo Meireles (n. 1948)


Estimativa

20.000 - 30.000


Sessão

20 Abril 2022



Descrição

Guache e tinta-da-china sobre papel
Assinado e datado 1967
(ligeira alteração so suporte com manchas de oxidação)

47,5x66,3 cm


Categoria

Arte Moderna e Contemporânea


CILDO MEIRELES: UM RELATIVIZAR DO CONHECIMENTO DO MUNDO

Texto de Angela Grando, PPGA/UFES e Juliana Almonfrey, UFES

(...)
Sabemos que Meireles inicia seu trabalho através do desenho, prática que se mantém viva e engendra um diversificado acervo de obras que produzidas ao longo dos anos tecem pontos de diálogos com seus trabalhos no campo tridimensional e objetual. Em muitos desenhos percebemos traços, sinais, indícios da gênese de ideias que posteriormente são explorados em outras pesquisas do artista. Desse modo, o desenhar em Cildo Meireles pode também ser encarado como uma espécie de “laboratório informal” no qual o artista projeta questões que serão posteriormente desenvolvidas. Ao ser perguntado sobre o significado do desenho em sua poética, ele respondeu:

O desenho talvez tenha alguma coisa a haver com sombra, com o lado sombrio do desenhador. Revela, pela sombra, o lado claro das coisas. Ou talvez tenha alguma coisa a ver com a vida interior do sujeito, com o significado mais profundo e íntimo das coisas. 3

Numa espécie do que chamou de “embriaguez gráfica” e “fruto do prazer mesmo de ver uma coisa se transformando, indefinidamente, em outra” 4, o artista exercita num traçado sincopado e abreviado, de uma energia marcante uma espécie de tumulto gráfico e cria seus personagens, os quais muitas vezes surgem indeterminados por um rápido e sintético traçado. Entre essas “quase-figuras”, muitas vezes imperceptíveis, aparece um personagem que é recorrente em muitos de seus desenhos. Trata-se de uma figura de óculos escuros, que usa um chapéu e veste uma capa. Conta o artista que a presença desse personagem em seus desenhos começa no período de sua mudança em 1967 de Brasília para o Rio de Janeiro e pode ser relacionada a um sonho, que muitas vezes se repetia, no qual uma figura de óculos escuros, chapéu e capa o perseguia 5. Nesses desenhos, em meio a confluência dos vários motivos e figuras surgem vestígios de construções arquitetônicas sob a forma de muros ou paredes. Estes elementos arquitetônicos funcionam tanto como um demarcador de uma área que colabora para uma certa organização espacial na confusão dos elementos inscritos na cena, quanto como um indício do deslocamento do espaço: interior / exterior. Ademais, o tal personagem em sua obra permite uma alusão à tensa atmosfera de repressão que invadia o cotidiano dos grandes centros brasileiros, gerando sentimentos de medo e de desconfiança de tudo e de todos, no período do regime repressivo da ditadura militar.
Entretanto, em outros desenhos desse mesmo período o aspecto narrativo cede espaço aos elementos arquitetônicos que desenvolvem-se sob tônica da instabilidade. Lidando com um imaginário-construtivo de ambientes internos, o artista elabora uma imagem surreal, na qual objetos domésticos e elementos arquiteturais se fundem e se confundem numa espécie de passagem de planos, invasões e desvios de massas cromáticas que impregnam a cena. Em contraste com os trabalhos anteriores de rápida execução e de exploração gráfica da linha, a composição dá lugar a um traçado mais calmo que constrói áreas incertas e desconcertantes. Nesses desenhos, a aparição das manchas informes contrasta com o traço retilíneo das paredes e acaba por desestabilizar, por meio de uma espécie de embate entre forma rígida e forma mole, a organização do espaço interno da cena.
Podemos inferir que, ao destituir o espaço arquitetônico de sua noção convencional, operando fusões espaciais e revertendo sua lógica corrente pela via do imaginário, Meireles já começava a elaborar suas ideias acerca da desconstrução do modo euclidiano do espaço, vista na série Espaços Virtuais: cantos. Desenvolvida especialmente no período em que Meirelles vai residir na cidade litorânea de Parati, em 1968, essa série reflete um processo de imersão introspectiva do artista que, entre outras indagações, amplia o espaço de sua prática desenhística.
(...)

Apresentado no Congresso Internacional da Associação de Pesquisadores em Crítica Genética, X Edição, Porto Alegre, 2012

Referências bibliográficas:
Texto completo disponível em
https://editora.pucrs.br/anais/apcg/edicao10/Angela.Grando.pdf

3 Entrevista Cildo Meireles - Frederico Morais. In: CILDO Meireles: Algum desenho (1963-2005). Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 2005. Catálogo de exposição. p. 56.

4 Texto de Cildo Meireles. In: CILDO MEIRELES. Geografia do Brasil. Rio de Janeiro: Artviva, 2001. Catálogo de exposição. 2001, p. 21.

5 CILDO, 2005, p.30.



Leilão Terminado