Leilão 132 Antiguidades e Obras de Arte, Pratas e Jóias

194

Retrato do Rei Filipe III de Espanha como Príncipe aos 14 anos (1578-1621)

JUSTUS TIEL E OFICINA / AND WORKSHOP (?- 1595)


Estimativa

150.000 - 200.000


Sessão 1

25 Outubro 2023



Descrição

Óleo sobre madeira
Com inscrição: AET[TATIS] SUAE. 14
1592

114x90 cm 155,5x103 cm (com moldura)


Categoria

Pintura


Informação Adicional

Proveniência: Colecção privada


RETRATO DE FILIPE III COMO JOVEM PRÍNCIPE

Este retrato marcial do jovem Filipe enquanto Príncipe, futuramente Rei Filipe III de Espanha e II de Portugal (r. 1598-1621), inclui-se numa série de retratos encomendados por seu pai aos principais pintores da sua corte de Madrid. Para esse efeito, Filipe II contrata os pintores Alonso Sánchez Coello (1531-1588), Juan Pantoja de la Cruz (1553-1608), e também o menos famoso pintor Flamengo Justus Tiel (?-m. 1595), com o objetivo de que estes retratem o seu único filho varão ainda vivo, nascido em 1578. O considerável número destes retratos ainda em existência, tanto originais como cópias de estúdio, testemunha
o empenho de Filipe II na promoção do seu jovem herdeiro, ainda adolescente, junto das várias cortes europeias para onde os mesmos eram enviados como ofertas diplomáticas.
Quarto filho de Filipe II e da sua quarta mulher Ana de Áustria, o Príncipe era, ao nascer, um improvável sucessor para as coroas de Espanha e
de Portugal. Após as rápidas e sucessivas mortes dos seus irmãos mais velhos, contudo, o seu pai viu-se forçado a proclamá-lo seu herdeiro presuntivo em 1572, quando tinha apenas quatro anos de idade. Aos sete, o Infante prestaria o juramento exigido aos herdeiros do trono espanhol, sendo-lhe nesse momento outorgado o título de Príncipe de Astúrias. O jovem tornou-se deste modo na grande esperança da dinastia Habsburgo Espanhola. Em 1598, aquando da sua ascensão como Filipe III, o novo rei governava um Império mundial que atingiria o seu auge, como potência global, sob a sua liderança.
Uma criança enfermiça, os receios de que o Infante não sobrevivesse até à idade adulta, marcariam profundamente a sua infância. Filipe não era dotado da arte da governação nem interessado em reinar; a sua juventude seria marcada pelo seu dominante progenitor que supervisionava cada detalhe da sua educação formal, particularmente no campo das artes bélicas. Por esta razão, Filipe II encomendaria vários conjuntos de armaduras completas para o seu filho, as quais complementavam o treino militar do Príncipe, simultaneamente reforçando também a imagem de um jovem saudável e vigoroso, e promovendo os seus dotes militares e a sua valentia dentro da corte. Celebrando a elevação de Filipe a Príncipe de Astúrias em 1585,
o Governador de Milão, Carlos de Aragão e Tagliavia, 1o Duque de Terranova (r. 1583-1592), a fim de assinalar esse momento decisivo na vida do jovem, oferece-lhe uma armadura encomendada especialmente para o seu pequeno tamanho. Atribuída ao armeiro e ourives Lucio Piccinino, também conhecido como Lucio Marliani, esta armadura sobrevive hoje dispersa em duas coleções distintas. Na do Património Nacional, em Madrid, guarda-se a maior parte do conjunto incluindo o elmo Burgonet e o peitoral, aqui ilustrados numa imagem antiga (Fig. 1), enquanto que no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque, se encontram as manoplas. Este magnifico conjunto, produzido com as medidas precisas do Príncipe aos sete anos de idade, foi concebido para combate a pé, e elaboradamente decorado com figuras mitológicas, grotescos, putti, máscaras e troféus, para além de medalhões representando Júpiter, a sua filha Minerva (Deusa da Sabedoria), Marte (Deus da Guerra) e as quatro Virtudes: Fortaleza, Prudência, Justiça e Temperança. A Fama e a Vitória, evidentes no peitoral, completam
a rica decoração relevada. Através destas alegorias criteriosamente selecionadas, a armadura do Duque de Terranova ilustrava exemplos de guerra, de paz e de governança, fornecendo simultaneamente ao futuro rei um modelo de autoridade.
Cinco anos mais tarde, em 1590, esta mesma armadura seria de novo escolhida por Filipe II para figurar num retrato simbólico da educação do seu herdeiro, encomendado a Justus Tiel. Este retrato, hoje no Museu do Prado, apresenta o Príncipe, então com doze anos, envergando a armadura que lhe havia sido oferecida cinco anos antes pelo Duque de Terranova, e que há muito lhe deixara de servir (Fig. 2). A organização iconográfica da armadura Milanesa inspirou, contudo, a composição de Tiel, e daí a sua inclusão nesse retrato. A densidade do conjunto centra- se ao redor do Príncipe com as personificações de Cronos (Tempo),
de Cupido (Amor), e da figura feminina da Justiça, em referência aos princípios pelos quais o herdeiro, e futuro Rei, deveria reger-se. Este é efetivamente o único retrato assinado e datado de Tiel que sobrevive, já que todos os seus outros trabalhos documentados se perderam.
Pouco se sabe sobre a vida de Justus Tiel ou sobre a sua carreira na corte de Filipe II, embora o seu trabalho mereça mais aprofundado estudo e atenção. Justus seria certamente aparentado com o pintor Flamengo Jan de Til, pintor régio (pintor de su magestad) desde meados da década de 1560. Jan colaborou também com outro flamengo de Antuérpia, Cristiano de Amberes, pintor principal das cavalariças reais (caballeriza). Ambos foram responsáveis pela pintura de faixas, bandeiras e estandartes para as cavalariças e também por decorações efémeras para várias ocasiões e funerais régios. Resta determinar se Justus aprendeu a arte da pintura com o seu parente Jan.
O presente retrato, até agora desconhecido, reflete o impacto dos retratos de aparato dos Habsburgo elaborados por Alonso Sánchez Coello e pelo seu mais ilustre discípulo Juan Pantoja de la Cruz na corte de Madrid, cujos estilos influenciaram Justus Tiel. Um retrato do Infante Filipe III envergando armadura, datado de c. 1588 e atribuído ao jovem Pantoja, atualmente numa coleção privada, terá neste caso fornecido o protótipo
a Tiel. Filipe, com 10 anos, está representado de corpo inteiro com meia armadura. Na sua pose cuidadosamente encenada, o Príncipe segura um bastão militar tendo ao seu lado um elmo de paquife pousado sobre uma mesa, detalhes que aludem à sua destreza militar e coragem (Fig. 3).
Uma versão deste retrato foi enviada à corte dos Medici, em Florença, como oferta para Fernando I de Medici, Grão-Duque da Toscana . Uma outra, pelo já então idoso Sánchez Coello, foi expedida para o Cardeal Alexandre Farnésio em Roma. Numa carta, o mestre de Pantoja dirige- se ao cardeal, dizendo-se satisfeito com o facto de que a sua efígie do Príncipe lhe tenha agradado.
Pantoja readaptaria a sua composição anterior, mais experimental, invertendo a postura do modelo para um mais digno e majestoso retrato militar a ser enviado à corte Imperial de Viena (Fig.4). O jovem, agora com 14 anos, está colocado frente a uma cortina drapeada em veludo verde, envergando uma armadura que ainda se pode encontrar na Armaria Real de Madrid. Repetem-se idênticas alegorias de governo
e poderio militar: A Fama, a Vitória e um general armado de bastão de mando sobressaem nos relevos do peitoral. Ao pescoço a fita vermelha com a Ordem do Tosão de Ouro recebida em 1583. Na mão esquerda segura a espada, enquanto a mão direita repousa sobre o morrião colocado sobre uma mesa vestida de veludo vermelho. Sobressai também a manopla pertencente ao conjunto de fabrico Milanês.
Justus Tiel focou-se diretamente em Pantoja de la Cruz, produzindo,
no caso do retrato que aqui descrevemos, uma imagem invertida
do retrato de Viena. Como aí, Filipe, envergando a mesma armadura Milanesa, bem como a Ordem do Tosão de Ouro, domina o primeiro plano da composição com uma representação a três-quartos, olhando diretamente para o observador. Detalhes da armadura, bom como
do vestuário, são reproduzidos apenas esquematicamente, sugerindo
a intervenção de uma outra mão do seu estúdio. O Príncipe apoia a
mão sobre uma mesa vazia coberta de veludo vermelho, enquanto
num segundo plano uma cortina de veludo verde, aberta, enquadra a composição, apresentando o Príncipe cenicamente. A inscrição no canto superior direito confirma a idade do retratado (14 anos) e o ano de em que foi executado o trabalho (1592).
A presente obra, com a sua moldura de ornamentação entalhada, pode ser atribuída a Justus Tiel e aos seus assistentes, tendo sido pintada somente dois anos após o seu notável retrato alegórico do Prado (Fig. 2). Evidenciando a dependência de Tiel relativamente ao retrato de Pantoja no Kunsthistorisches Museum de Viena, este retrato do Príncipe das Astúrias poderá também ter sido encomendado como oferta para uma corte estrangeira.

ANNEMARIE JORDAN GSCHWEND
Investigadora Sénior e Curadora
Centro de Humanidades (CHAM), Zurique e Lisboa



Leilão Terminado