Leilão 72 Antiguidades e Obras de Arte

42

Pentecostes

Diogo de Contreiras (1500-1565)


Estimativa

80.000 - 120.000


Sessão 1

11 Dezembro 2017



Descrição

Óleo sobre madeira

135x90 cm


Categoria

Pintura


Dissertação sobre a Obra

Por Joaquim Oliveira Caetano
Historiador de Arte, Conservador

DUAS IMPORTANTES PINTURAS DE
DIOGO DE CONTREIRAS

As duas pinturas que vão a leilão correspondem a dois painéis de uma série de quatro que pertenceu ao convento cisterciense feminino de Santa Maria de Almoster. Representam, uma o Pentecostes e a outra S. Bento e S. Bernardo, o criador da regra e o reformador da Ordem que deu origem aos cistercienses. Um outro painel da mesma série – uma Ressurreição – encontra-se no mercado antiquário lisboeta e uma quarta pintura, uma Adoração dos Pastores desapareceu, provavelmente durante as campanhas de restauro do convento, entre 1954 e 1956, altura em que muito do património móvel do monumento se perdeu e em que entraram no mercado as três pinturas do conjunto cujo paradeiro conhecemos hoje.

Este grupo foi referenciado pela primeira vez por Gustavo Matos Sequeira, no Inventário Artístico da Aca- demia Nacional de Belas Artes – Distrito de Santarém (1949) e dado por Luís Reis Santos, em 1954, na biogra a que escreveu sobre Gregório Lopes, como da última fase deste pintor. Ambos os autores referem ainda as pinturas em Almoster. Em 1957, em artigo publicado no Boletim do Museu Nacional de Arte Antiga, o historiador americano Martin Sória atribuiu estas pinturas (como mais duas dezenas de outras que Reis- Santos considerava da “última fase de Gregório Lopes”) a um anónimo pintor que rotulou de “St. Quintin Master”, ou Mestre de S. Quintino, pelas suas importantes pinturas que restam nesta igreja de Sobral do Monte Agraço. Em 1993, num artigo no no 13 da revista Oceanos, tivemos a oportunidade de identi car este anónimo mestre com Diogo de Contreiras, um mestre pintor com o cina em Lisboa, à rua dos Canos, nas traseiras de S. Domingos (bairro em que se acumulavam os ateliês dos mais importantes artistas da capital), documentado entre 1521 e a altura da sua morte em 1563. Dois anos depois voltamos a estudar este conjunto no catálogo da exposição no Centro Cultural de Belém, A Pintura Maneirista em Portugal (comissariada por Vitor Serrão), no qual estiveram expostas as tábuas do Pentecostes e da Ressurreição (cat. 7 e 8). Final- mente, em 2004, em artigo publicado no no 3 da revista Artis, Pedro Flor revelou documentos que vieram comprovar a autoria de Diogo de Contreiras e a data de 1540-1542 para a execução das pinturas.

Apesar de estar documentado como pintor desde 1521, Contreiras devia ser então muito jovem e trabalhar sobretudo em empreitadas alheias. Só em meados da década de 1530 podemos reconhecê-lo como mes- tre autónomo, desenvolvendo a partir daí uma incessante atividade que o leva a pintar desde a região de Coimbra (Igreja da Ega) até Évora e à ilha da Madeira, mas com mais intensidade em igrejas e conventos da região de Lisboa, do Oeste e do Ribatejo. Contreiras pertenceu a uma geração formada com os mestres
do brilhante ciclo manuelino, mas foi talvez o pintor do seu tempo que mais decididamente procurou mod- ernizar-se, incorporando uma linguagem renascentista, então conhecida entre nós como “o modo de Itália”. As pinturas de Almoster correspondem à altura em que o pintor começou a ser intensamente procurado por uma clientela nobre e cortesã, trabalhando para os duques de Bragança (Colegiada de Ourém, 1537-42; Unhos, 1537-8), João Roiz Português (Santa Catarina, Bombarral, 1541) e Afonso de Lencastre (Ega, 1537- 43). Muito provavelmente a empreitada de Almoster deveu-se a Gil Eanes da Costa, cuja capela no mosteiro se termina precisamente em 1542, data nal do retábulo.

Apesar de terem sofrido, na sua atribulada história recente, profundos danos de abrasão e perda de pintura original nalgumas zonas, as tábuas de Almoster são um documento importante da pintura de Diogo de Con- treiras e constituem excelentes exemplares do que foi a renovação artística portuguesa durante o período de abertura cultural que marcou o reinado de D. João III. No Pentecostes, Contreiras faz descer o Espírito Santo não apenas sobre os Apóstolos, mas sobre um grupo alargado de discípulos de Cristo e Santas Mul- heres, com a Virgem em papel de destaque. O espaço interior é bem perspetivado, com a arca da Aliança como ponto de fuga, de arquitetura decorada com motivos “ao romano” e estátuas colocadas em edículas, à maneira clássica. Apesar de certas guras notarem algum desgaste, outros rostos conservam a maneira característica de Contreiras, de sobreposição de velaturas e pequenos toques de luz. As suas capacidades de representação são bem visíveis, por exemplo, no belo brocado que cobre a estante, ou na esteira africana sobre o chão. O mesmo virtuosismo se nota na representação dos bordados das capas e mitras de S. Bento e S. Bernardo, ou nos desenhos da rica ourivesaria dos báculos, mas sobretudo na cuidada reprodução do tapete turco, de motivo “Holbein-miúdo”. Figuras com os rostos típicos dos santos “contreirianos”, S. Bento e S. Bernardo dominam uma composição que se prolonga habilmente num interior com a cena do aleita- mento de S. Bernardo e no exterior com um passo hagiográ co de S. Bento. Os dois painéis são, sem dúvida, marcos importantes da pintura portuguesa do século XVI, documentadas obras de um dos mais signi ca- tivos renovadores da linguagem plástica portuguesa no segundo quartel do século XVI.



Leilão Terminado