Leilão 112 Antiguidades e Obras de Arte, Pratas e Jóias

29

Natureza morta

Juan Van Der Hamen y Leon (1596-1631)


Estimativa

60.000 - 80.000


Sessão 1

13 Dezembro 2021



Descrição

Óleo sobre tela

82x99 cm


Categoria

Pintura


JUAN VAN DER HAMEN Y LEON

Oriundo de uma linhagem ancestral de nobres flamengos e de figuras militares que serviram a corte dos Habsburgos, Juan Van der Hamen y Leon nasceu no dia 8 de Abril de 1596, no seio de uma família abastada da aristocrática madrilena. Tal como o seu pai e o seu avô, foi membro da Guarda do Arqueiro, o corpo de elite a quem foi confiada, desde o reinado de Carlos V (1500- 1558), a missão honorária de proteger o monarca. Em 1615 casou-se com Eugenia Herrera, membro de uma família de pintores e escultores, e quatro anos depois recebeu a sua primeira encomenda para a corte de Madrid. Como pintor, foi recordado pela aristocracia e pela corte, tendo tido um papel ativo na vida cultural madrilena. Algumas das grandes figuras literárias da época, incluindo Félix Lope de Veja (1562-1635), Góngora (1561-1627) e Juan Pérez de Montalbán (1602-1638), referiram-se a si nos seus escritos, elogiando sua capacidade de recriar a realidade. Embora tenha sido reconhecido pela sua habilidade para a pintura de naturezas mortas, durante a sua vida foi respeitado pelos seus pares, principalmente pela sua polivalência. A sua obra artística debruçou-se entre retratos, alegorias, paisagens, pinturas de flores e telas de grandes dimensões realizadas exclusivamente para igrejas e conventos. Desta última destacam-se os trabalhos que realizou para várias instituições religiosas, como o Mosteiro das Descalzas Reales, em Madrid. Poucas das suas pinturas religiosas chegaram até aos dias de hoje, e os melhores exemplos remanescentes estão no claustro do Real Convento de La Encarnación, em Madrid, pintados no ano de 1625. O triunfo que alcançou enquanto retratista, permitiu-lhe pintar o Rei Filipe IV (1605-1665), bem como uma série de retratos dos principais intelectuais e escritores da sua época, incluindo: Félix Lope de Veja (1562-1635), Francisco de Quevedo (1580-1645), Luis de Góngora (1561-1627), José de Valdivieso (1565-1638), Juan Pérez de Montalbán (1602-1638), Juan Ruiz de Alarcón (1581-1639) e Francisco de Riooja (1583-1659). Entre os retratos que realizou destaca-se, também, o de um anão, pintado por volta do ano de 1623, num poderoso estilo naturalista que antecipa o trabalho de Diego Velázquez (1599-1660). Poucos anos depois, terá pintado o cardeal Francesco Barberini (1597-1679) que satisfeito com este trabalho, adquiriu mais três das suas obras. Uma vez que as pinturas de naturezas mortas não eram extremamente apreciadas, foram estes retratos que lhe deram o primeiro reconhecimento como artista. Algumas das mentes mais ilustres da época elogiaram o seu trabalho, através de versos e prosas, o que ajudou a que os seus retratos fossem alvo do estudo filosófico. Foi pioneiro no campo da pintura de flores, temática a que se dedicou para responder às pinturas de flores de artistas flamengos, como Jan Brueghel, o Velho (1568-1625). Embora a sua formação em arte não tenha sido de origem flamenga, as suas primeiras naturezas-mortas partilham aspectos composicionais com obras de gênero holandesas. Não apresentam os mesmos níveis de precisão técnica, de composições translúcidas, nem do uso de luz (tão característico das escolas holandesas), mas expõem modelos caracterizados por uma maior volumetria, o que proporciona um interesse na estrutura interna e nas qualidades táteis dos objetos que retrata. Os temas surgem organizados simetricamente com uma luz focada e fortemente contrastante, o que concebe sombras profundas. A escolha dos elementos decorativos com que compõem os seus cenários seguem os desejos de sua abastada clientela, e incluí vasos em matérias-primas como o cristal de rocha, muitas vezes adornados com elementos de bronze, peças de cerâmica e de porcelana chinesa, por vezes pratas, e até vidros venezianos. O vidro veneziano foi profundamente reconhecido pelos membros da classe alta de Madrid do século XVII, e o facto de serem utilizados nas suas composições é uma forma do artista se relacionar com a sua clientela. Na sua obra também são frequentes doces requintados, desde a superfície açucarada de pastéis e de frutas cristalizadas até à fragilidade das bolachas. Durante a década de 1620, distinguiu-se pela pintura de flores, gênero no qual era inigualável em Madrid. As suas composições incluíam (Uma oferenda à flora), bem como os vasos de flores habituais que geralmente marcam o eixo de simetria das suas naturezas-mortas. A natureza morta, muitas vezes considerada um gênero menor, floresceu ao longo dos séculos XVII e XVIII, e em Espanha este tema foi denominado de bodegón e representa um estilo sombrio e austero. Considerado como o maior pintor de naturezas-mortas espanholas do século XVII, a sua obra deixou de ser contemplada apenas como uma obra simbólica ou narrativa, e devido à fama das suas naturezas mortas e às pinturas de flores abriu uma oficina na Calle de los Tintoreros em Madrid, o que pode explicar a qualidade irregular de suas obras sobreviventes, incluindo algumas que trazem a sua assinatura, mas parecem ter sido pelo menos parcialmente pintadas pelos seus discípulos e assistentes. Um bom exemplo do seu trabalho como pintor de flores é o quadro datado de 1627 “Offering to Flora”, que podemos contemplar nas colecções do Museu do Prado. Trata-se de um poema visual onde através da adopção de uma composição flamenga é revelado o interesse pelo jogo de luz sobre os tecidos das vestes. Destaca-se, também nas colecções do mesmo museu, um par de pinturas onde num surge uma Natureza morta com uma jarra de flores e um cão e o outro onde surge a mesma composição, mas com um cachorrinho. O interesse destas pinturas recai na proveniência pois ambas faziam parte do palácio de Jean de Croy, conde Solre. Juntamente com Diego Mexia, Marquês de Leganés foi um dos principais patronos de Van der Hamen. Juan van der Hamen morreu aos trinta e cinco anos no dia 28 de Março de 1631, e as suas obras podem ser vistas nos principais museus do mundo sendo de destacar os já referidos do Museu do Prado, bem como no Museu Thyssen-Bornemisza, na Real Academia de Belas Artes de São Fernando, no Museu de Belas Artes de Granada e no Museu de Belas-artes de Basileia. Também a coleção do Banco Nacional de Espanha em Madrid, a colecção Várez-Fisa e a coleção de António Hipola apresentam peças deste artista que no ano de 2006 estiveram reunidas na exposição “Juan van der Hamen y León and the Court of Madrid” organizada entre o Palácio Real de Madrid e o Museu Meadows em Dallas. Descrição da pintura: No parapeito de uma janela de pedra repousa um marmelo e algumas framboesas. Ao centro surge um grande vaso italiano, em vidro veneziano, com montagens em bronze dourado, repleto de maçãs e peras. Simetricamente é ladeado por duas pequenas salvas de pé repletas de frutos vermelhos (uma com framboesas e outra com amoras). Por cima deles, a composição é concluída por um casal de aves, em cada canto, pendurados pelos bicos que aguardam para serem depenados. Estamos perante um jogo de luz, típico do trabalho Van der Hamen, que permite que os objectos representados evidenciam um desejo para saírem da tela e invadir o espaço do observador. O grande vaso em vidro veneziano e com montagens em bronze é o objeto que o pintor reproduziu mais vezes nas suas composições, o que evidencia ser um que o pintor preferia para transmitir a opulência da classe alta. Esta elegante fruteiro aparece em inúmeras naturezas mortas pintadas pelo artista, como a Coleção Arango ou o do Banco de Espanha, pelo que pode ser um objeto que pertencia a colecção do pintor. Todas correspondem ao mesmo período, 1622-23, em que Van der Hamen usa composições simétricas, ordenadas e frontais, com um jogo de luz súbtil. Mais tarde o seu estilo acabou por evoluir para composições mais ricas, assimétricas e complexas. No caso do quadro que trazemos a leilão, o conjunto completa-se com a presença de um conjunto de diversas aves mortas, elemento que não é alheio a pintores contemporâneos e que foi iniciado pelo pintor Juan Sánchez Cotán (1560-1627), para fechar os cantos superiores das suas composições. Um outro exemplo é a Natureza morta com uma grande tigela recheada de frutas e pássaros de caça pendurados que faz parte da coleção Várez-Fisa. Já na colecção Abelló encontramos mais um exemplo, mas nesse o arranjo dos frutos é diferente. São conhecidas várias versões desta composição, sendo alterado o conteúdo dos três recipientes, e a primeira vez que o mestre concebeu esta composição foi no ano de 1621. Conhecido como o Gran Frutero, com pratos de pastelaria e doces caramelizados, essa pintura faz parte da colecção do Banco da Espanha em Madrid. Destaca-se uma outra que é muito semelhante à que agora trazemos a leilão e que faz parte do acervo do Museu de Belas Artes de Basileia.

TIAGO FRANCO RODRIGUES

BIBLIOGRAFIA: Spanish Still Life from Velázquez to Goya, cat. exp., Londres, National Gallery Publications, 1995. pp. 44-63. Jordan, William B., Juan van der Hamen, Michigan, Ann Arbor, 2002. Jordan, William B., Juan van der Hamen y León, Nueva York, New York University Press, 1967. Cherry, Peter, Arte y naturaleza. El bodegón español en el siglo de oro, Madrid, Fundación de Apoyo a la Historia del Arte Hispánico, 1999. R.T. Martín, La naturaleza muerta en la pintura española, Barcelona, 1971, p. 56. E. Valdivieso, 'Un bodegón inédito de Juan van der Hamen', Archivo Español de Arte, XLVIII, 1975, pp. 402-403, fig. 7. B.S. Myers, Encyclopedia of World Art: Supplement: World art in our time, XVI, New York, 1983, p. 186. E. Harris, 'Exhibition Reviews: London, National Gallery, Spanish still life', Burlington Magazine, CXXXVII, 1995, p. 331. W.B. Jordan, An Eye on Nature: Spanish still-life paintings from Sanchez Cotán to Goya, London, 1997, pp. 60-63. V.G. Powell, C. Ressort, et al., Musée du Louvre. Département des Peintures. Catalogue: écoles espagnole et portugaise, Paris, 2002, p. L. Ramón-Laca and F. Scheffler, 'Juan van der Hamen y el Gusto Foráneo por las Flores', in M.C. Bravo, ed., El arte foráneo en España: presencia e influencia, Madrid, 2005, p. 361, note 4.



Leilão Terminado