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Alegoria da vida activa versus vida contemplativa ou A dança de Maria Madalena


Estimativa

20.000 - 30.000


Sessão

29 Setembro 2011



Descrição

Alegoria da vida activa versus vida contemplativa ou a dança de Maria Madalena
Autor desconhecido, Países Baixos, c. 1620
Pintura a óleo sobre tábua de madeira de carvalho, engradada.
74x104cm


Informação Adicional

As alegorias que colocavam em confronto a degradação a que nos levam os prazeres da vida mundana com a vida da contemplação do exemplo de Cristo ganharam, no período da contra-reforma, novo folgo. A pintura que a Veritas coloca agora em praça é um exemplo disso. Nos inícios do século XVII os pintores dos Países Baixos, quer aqueles que tinham abraçado a causa protestante, quer os que se mantinham sob o domínio espanhol, vinculados à igreja católico romana, todos eles encheram as suas pinturas de amáveis representações moralizantes O cotejo das virtudes e dos vícios resultou em obras de arte que os amantes da pintura poderiam facilmente ter nas suas confortáveis casas, mas cuja mensagem moralizante, ainda que sub-repticiamente, estava sempre lá. É neste contexto que se desenvolverá a chamada pintura de género que se aparentemente poderia apenas mostrar deleitáveis e realísticas reproduções da natureza, ou de objectos produzidos pela perícia humana, não deixavam de ter um sentido simbólico que importava descodificar.
Nesta pintura podemos observar em primeiro plano uma agradável representação com figuras femininas e um homem que se entregam aos prazeres da vida. Uma toca um alaúde, outra come, outra bebe, à direita uma figura dorme prostrada sobre uma mesa e uma figura feminina dança na outra parte da pintura; aí encontramos igualmente objectos que parecem ter caído ao acaso pelo chão. Se não tivéssemos em conta as duas cenas secundárias que podemos observar nos cantos superiores da composição, onde podemos identificar a figura de Cristo, mesmo assim poderíamos entender a mensagem alegórica que aqui se quer fazer passar. A vida mundana e os seus prazeres, os prazeres dos sentidos e o caminho para onde nos leva o abuso em excesso da sua fruição. O vício do jogo e
do álcool está representado pelas cartas de jogar e pelo cálice que caiem negligentemente no chão, mas também a tragicomédia para que este percurso nos arrasta está patente nas máscaras que igualmente ali vemos caídas. Ao juntarmos a esta alegoria as duas representações dos cantos da composição teremos que a enquadrar num cenário cristológico. A figura que melhor se enquadra em todo o Novo Testamento, como alegoria ao confronto da mundanidade com a vida contemplativa é, sem dúvida a de Maria Madalena, a arrependida, ela que durante anos da sua vida preferiu muito mais escutar os sons do tanger dos violões do que a palavra dos sermões de Cristo. Foi a partir dos Mistérios da Paixão de Jean Michel, escritos no século XV, que Madalena passou a ser muitas vezes representada a dançar e a folgar dos prazeres da vida, deixando para trás as prédicas do Salvador. Lucas de Leyde gravou esta cena da dança da Madalena nos inícios do século XVI e a partir desta matriz muitos foram os artistas que a divulgaram.
Assim, a leitura desta pintura pode passar por uma visão muito mais católica do que à primeira vista poderá parecer. A Madalena, qual virgem louca, dança perdida no mundo não escutando a palavra de Cristo, que se vê em temerosa prédica no canto superior esquerdo da composição. Após o seu encontro com o Salvador, a pecadora, entregar-se-á à vida contemplativa, aqui representada pela sua ascensão a um templo, onde a vemos ser recebida pelos braços abertos de Cristo triunfante. É, no fundo, o próprio triunfo da Igreja católica, contra os vícios da carne e do prazer sem limites (leia-se protestantes), que aqui podemos subentender.
Anísio Franco



Leilão Terminado