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"Samo the Initiated"
Ouattara Watts (n. 1957)
Estimativa
10.000 - 20.000
Sessão
1 Junho 2021
Valor de Martelo
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Díptico
Acrílico sobre tela
Assinado e datado 1988 no verso de ambas as telas
216x360 cm (total)
Categoria
Arte Moderna e Contemporânea
Informação Adicional
Com etiqueta da Vrej Baghoomian Gallery, Nova Iorque, no verso de ambas as telas.
Exposições:
"Africa Explores: 20th Century African Art", The New Museum of Contemporary Art, New York, USA, 1991; University Art Museum, Berkeley, California, USA; Dallas Museum of Art, Dallas, Texas, USA; St. Louis Art Museum, St. Louis, Missouri, USA; Mint Museum of Art, Charlotte, North Carolina, USA; The Carnegie Museum of Art, Pittsburgh, Pennsylvania, USA; The Corcoran Gallery of Art, Washington, DC, USA; The Center for Fine Arts, Miami, Florida, USA; Ludwig Forum, Aachen, Germany; Tapies Foundation, Barcelona, Spain; Escape Lyonnais d'Art Contemporain, Lyon, France; Tate Gallery Liverpool, England.
Texto de Thibault Vanco, Curador
"Samo the initiated" marca uma etapa importante na vida e carreira de Ouattara Watts. De duas formas, esta obra simboliza a passagem de um ser para um futuro concebido como o regresso às suas origens. Literalmente, em primeiro lugar, como o seu título indica, esta pintura é uma homenagem a outro pintor que ele viu como alma-gémea. A história é bem conhecida. Em 1988, Ouattara Watts estava em França há́ uma década. Desenvolveu um Expressionismo bruto, na esteira distante do movimento Vohou-Vohou e alimentado pelas tendências que descobriu na Europa: utiliza materiais reciclados, tintas em grandes lonas de tenda, e faz as suas próprias cores para chegar ao aspeto do reboco tradicional da Arquitetura Africana... No início de Janeiro de 1988, Jean-Michel Basquiat apresentou uma das suas últimas exposições individuais no Yvon Lambert, em Paris. Ouattara Watts assistiu à abertura e o seu carisma chamou a atenção do Nova-Iorquino que se apressou a ver o seu trabalho. Foi amor à primeira vista, tanto pessoal como artisticamente.
Nos dias que se seguiram, os dois pintores não se separaram, visitando juntos Paris, conversando sobre Pintura e sobre a Europa, África e Costa do Marfim, que Basquiat tinha visitado no Outono de 1986, e também sobre os Estados Unidos e Nova Iorque, onde Basquiat convidou o seu novo amigo a instalar-se... Ouattara fez as malas, atravessou o Atlântico e Basquiat tornou-se o seu guia neste novo mundo: introduziu-o na cena artística Nova-Iorquina, levou-o a Nova Orleães para ouvir jazz e descobrir as margens do Mississippi, um lugar importante em termos de memória para evocar o destino roubado de tantas pessoas desenraizadas. Juntos, organizaram uma viagem a África, onde Basquiat esperava recarregar as suas baterias e libertar-se dos seus demónios: infelizmente, estes levaram-no brutalmente a 12 de Agosto de 1988.
Simbolicamente, então, Samo the initiated foi pintado por Ouattara Watts como que para sublimar o luto do seu amigo. Foi como uma operação mágica, um rito infundido de crenças ancestrais e ecos das teorias de Cheikh Anta Diop, que faleceu dois anos antes. De facto, não podia ter escapado a Ouattara que o pseudónimo encontrado por Basquiat, SAMO, também correspondia ao nome de um povo Mande cuja área de influência é próxima do Norte da Costa do Marfim, de onde ele é originário; não é insignificante que ele se tenha inspirado no Antigo Egipto.
Neste grande díptico, o falecido é um faraó́, um homem já́ deificado em vida e pronto para completar a sua viagem para uma vida depois da morte gloriosa. Uma margem amarela indica a aura sagrada que envolve o corpo e sugere o ouro de um sarcófago sumptuoso. As camadas de terra ocre do fundo de alvenaria, na parte superior da pintura, fixam a figura na serenidade de um “cá em baixo” que, pelo contrário, confere ainda mais leveza à sua alma à beira da imortalidade. Duas grandes estruturas brancas estendem os seus braços em direcção às duas caixas sagradas colocadas por baixo da figura e abrem verticais luminosas em direcção ao topo do quadro, enquanto os fluxos negros enraízam a figura na zona inferior. Da terra para a terra, para o corpo, e rumo ao cosmos, para o espírito.
A obra é assinada no verso como se estivesse numa cartela dourada, e os muitos "8s" que datam a tela foram pintados como símbolos do tempo, uma espécie de ampulheta frequentemente encontrada no repertório de sinalização de Ouattara Watts. Todas elas são pistas para a visão holística do artista que, à
sua maneira, conta os segredos do Mundo Inteiro, do qual tinha encontrado outro iniciado em Basquiat, que declarou: "Tenho uma memória cultural. Não preciso de a procurar; ela existe. Está ali, em África. Isso não significa que eu tenha de ir viver para lá. A nossa memória cultural segue-nos para todo o lado, onde quer que vivamos." ("Entrevista por Démosthènes Davvetas”, in Jordana Moore Saggese, The Jean-Michel Basquiat Reader. Writings, Interviews, and Critical Responses, University of California Press, 2021, p. 62).
(Original em Francês)
"Samo the initiated" marque une étape importante dans la vie et la carrière de Ouattara Watts. A double titre, cette œuvre symbolise le passage d’un être vers un avenir conçu comme son retour aux origines.
Littéralement, d’abord, comme l’indique son titre, cette toile est un hommage à un autre peintre qu’il voyait comme une âme sœur. L’histoire est connue. En 1988, Ouattara Watts est en France depuis une décennie. Il y a développé un expressionnisme brut, dans le sillage lointain du mouvement vohou-vo- hou et nourri des tendances qu’il découvre en Europe : il utilise des matériaux de récupération, peint sur de grandes bâches de tentes, fabrique ses couleurs pour retrouver l’aspect des enduits traditionnels des architectures africaines... Début janvier 1988, Jean-Michel Basquiat présente à Paris, chez Yvon Lambert, l’une de ses dernières expositions personnelles. Ouattara Watts assiste au vernissage, son charisme tape dans l’œil du New-yorkais qui s’empresse d’aller voir ses œuvres. C’est un coup de foudre amical et artistique.
Dans les jours suivants, les deux peintres ne se quittent plus, visitent Paris ensemble, discutent lon- guement de peinture, de l’Europe, de l’Afrique et de la Côte d’Ivoire que Basquiat avait visitée à l’au- tomne 1986, des Etats-Unis et de New York où il invite son nouvel ami à venir s’installer... Ouattara plie bagage, traverse l’Atlantique et Basquiat devient son guide dans ce nouveau monde : il l’introduit dans le milieu de l’art new-yorkais, l’amène à La Nouvelle-Orléans écouter du jazz et découvrir les rives du Mississippi, haut lieu pour lui de mémoire pour évoquer le destin volé de tant de déracinés. Ensemble, ils organisent un voyage en Afrique où Basquiat espérait se ressourcer et se libérer de ses démons : malheureusement ceux-ci l’emportent brutalement le 12 août 1988.
Symboliquement, donc, Samo the initiated a été peint par Ouattara Watts comme pour sublimer le deuil de son ami. Comme une opération magique, un rite infusé de croyances ancestrales et d’échos aux théories de Cheikh Anta Diop disparu deux ans plus tôt. Il n’avait en effet pas pu échapper à Ouat- tara que le pseudonyme trouvé par Basquiat, SAMO, correspondait aussi au nom d’un peuple mandé dont l’aire d’influence est proche du nord de la Côte d’Ivoire dont il est originaire, et il n’est pas ano- din qu’il ait été puiser son inspiration dans l’Egypte antique.
Dans ce grand diptyque, le défunt est un pharaon, homme déjà divinisé de son vivant et prêt à accom- plir son voyage dans un glorieux au-delà. Un cerne jaune indique l’aura sacrée qui entoure ce corps et suggère l’or d’un somptueux sarcophage. Les strates d’ocres terreuses du fond maçonné dans la partie supérieure du tableau fixent la silhouette dans la sérénité d’un ici-bas qui confère par contraste encore davantage de légèreté à son âme sur le point d’accéder à l’immortalité. Deux grandes structures blanches déploient leurs bras vers les deux coffrets sacrés placés sous la silhouette et ouvrent des ver- ticales lumineuses vers le haut du tableau, tandis que des coulées noires enracinent le personnage vers le bas. De la terre à la terre, pour le corps, et vers le cosmos pour l’esprit.
L’œuvre est signée au revers comme dans un cartouche doré et les nombreux « 8 » datant la toile ont été peints comme des symboles du temps, une sorte de sablier que l’on retrouve fréquemment dans le répertoire signalétique de Ouattara Watts. Ce sont autant d’indices de la vision holiste de l’artiste qui raconte à sa façon les secrets du Tout-Monde dont il avait trouvé en Basquiat un autre initié, lui qui déclarait : « I have a cultural memory. I don’t need to look for it; it exists. It’s over there, in Africa. That doesn’t mean that I have to go live there. Our cultural memory follows us everywhere, wherever you live » (« Interview by Démosthènes Davvetas », in Jordana Moore Saggese, The Jean-Michel Basquiat Reader. Writings, Interviews, and Critical Responses, University of California Press, 2021, p. 62).
Leilão Terminado