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O beijo de Judas
Simão Rodrigues (c. 1560-1629)
Estimativa
25.000 - 30.000
Sessão 2
15 Abril 2021
Valor de Martelo
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Óleo sobre madeira
(restauros)
137x117 cm
Categoria
Pintura
Informação Adicional
SIMÃO RODRIGUES (Alcácer do Sal, c. 1560 - Lisboa, 1629)
Esta muito interessante peça maneirista portuguesa de cerca de 1600,
proveniente de um antigo e desmembrado retábulo de ignota origem,
constitui um valioso testemunho da fase de grande produção seriada a que
se convencionou chamar Contra-Maniera (o Maneirismo da Contra-Reforma) e
da arte daquele que, na passagem do século XVI para o XVII, foi o seu
mais ilustre representante. Representa a Prisão de Jesus no passo do
Beijo de Judas, incluindo o dinâmico sub-tema do corte da orelha de
Malco por São Pedro, que ocupa o primeiro plano da composição. Simão
Rodrigues, o seu autor, já em 1589 era considerado «hum dos milhores
pimtores de imaginaria de olio que há nestes Reynos», trabalhando também
a fresco, e como iluminador, tendo sido elogiado pelo exigente
tratadista Félix da Costa Meesen, em 1696, por ser «homem de raro
engenho, e mui fasil no pintar», o que se confirma face à boa qualidade
de desenho deste Beijo de Judas, inspirado nos modelos de Roma do tempo
de Gregório XIII e Sisto V, em que o pintor se formou. O tema, que Simão
repetiu numa das tábuas da sacristia da Sé Velha de Coimbra (c. 1607),
hoje no Museu Nacional Machado de Castro, bem como em duas tábuas de
oficina, uma no retábulo da Misericórdia de Tancos (c. 1600), exposto no
Museu Diocesano de Santarém, e outra na igreja de Santa Maria do Castelo
de Torres Vedras, é tratado com elegância compositiva e sentido
didascálico, atento a pormenores de chiaroscuro que a atmosfera de
notturno acentua. Simão viu, por certo, os frescos do Oratório del
Gonfalone em Roma, onde pode ter tomado modelo inspirador para esta
precisa composição. A sua arte, de facto, segue os mesmos modelos da
pintura senza tempo de vínculo tridentino, sobretudo os da pintura
romana da geração de Federico Zuccaro, Cesare Nebbia ou Livio Agresti,
sem esquecer Pomarâncio, e a lição do português Campelo, em que se
inspirou em mais que uma obra. É essa mesma linguagem tardo-maneirista,
que dominava os cânones imagéticos da Contra-Reforma nos anos jubilares
circa 1600, que se sente nesta pintura, tão atenta à clareza do discurso
devocional. Como foi pela primeira vez destacado por Adriano de Gusmão,
no livro Simão Rodrigues e seus colaboradores (1956), as obras mais
individualizadas do pintor atestam uma qualidade que se superioriza aos
dos seus contemporâneos, como se vê nas obras de Coimbra (sacristia da
igreja do Carmo e capela da Universidade). Dirigiu uma operosíssima
oficina na freguesia do Socorro, em Lisboa, onde actuaram vários
participantes, como o futuro pintor régio Domingos Vieira Serrão (c.
1565-1632), e vários outros de que se conhecem os nomes e as obras, o
que conduziu a que muitas das encomendas geradas nesse âmbito padeçam de repetitividades de receita e revelem fragilidades de acabamento. Não é o
caso desta esplêndida pintura do Beijo de Judas, saída directamente das
mãos do mestre. Trata-se de peça muito típica do seu repertório directo,
com a robustez de pose das figuras (a postura dos soldados, por exemplo,
repete-se em tábuas como as do antigo retábulo de Santa Cruz de Coimbra,
hoje na sacristia do Carmo dessa cidade, de 1611), bem como o forte
sentido de pathos que a modelação de claro-escuro acentua. Atesta-se,
enfim, a soltura de desenho no modo muito pessoal de caracterizar os
escorços de cabeças, que valem como assinaturas do artista."
Vítor Serrão, Historiador de Arte.
A VERITAS Art Auctioneers agradece ao Professor Doutor Vítor Serrão o seu contributo para o enquadramento histórico e artístico desta obra.
Leilão Terminado