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Adoração dos Magos
Francisco Vieira de Mattos, "Vieira Lusitano" (1699-1783)
Estimativa
10.000 - 15.000
Sessão 2
10 Dezembro 2020
Valor de Martelo
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Óleo sobre tela
C. 1760
114,5x140 cm
Categoria
Pintura
Informação Adicional
Proveniência:
Colecção D. Manuel de Souza e Holstein-Beck, Conde da Póvoa.
Ensaio de Catálogo
Nuno Saldanha afirma categoricamente sobre Francisco Vieira de Matos, conhecido como O Lusitano que “trata-se efetivamente do melhor e do mais importante artista” do período joanino.
De facto, nos seus 84 anos, Vieira Lusitano teve não só grande produção em Portugal, como granjeou fama internacional, tendo viajado pela Europa onde deixou obras que foram muito apreciadas.
Para responder ao crescente número de encomendas, o Lusitano organizou o seu atelier tendo como modelo a prática académica romana, escalonando o trabalho em várias fases. Contou para tal com inúmeros colaboradores, nomeadamente com os seus irmãos Catarina Vieira (conhecida como a Lusitana por mimetismo da alcunha do irmão) e João Vieira, que também foram artistas, embora este último tenha falecido com a idade de 20 anos (sobre este doloroso acontecimento, desenhou o Lusitano uma famosa alegoria que foi passada a gravura).
A passagem por Roma, cidade onde esteve pelo menos duas vezes, uma quando contava 12 anos integrado na embaixada do Marquês de Fontes à corte papal, e outra entre 1721 e 1728, foi fulcral na formação de Vieira de Matos no domínio da pintura. A segunda estadia consagrou-o, permitindo-lhe a entrada na academia de pintores de São Lucas, sendo reconhecido não só na cidade como em toda a Itália. O sistema académico, tanto na aprendizagem como já na execução pictórica, pressupunha três fases: a primeira que consistia no esboço sobre papel da “idea”, a segundo em que o modelo era desenhado de forma acabada e, finalmente, a passagem para a dimensão desejada pelo cliente, só então pintada. Este processo de trabalho, usado em Itália desde o Renascimento, levou a que os artistas (como Leonardo da Vinci que afirmava ser a pintura “coisa mental”) se dedicassem muitas vezes mais ao desenho e à criação de modelos do que à pintura propriamente dita. Foi isso que aconteceu com o Lusitano, que criou inúmeros desenhos e modelos depois repetidos e reutilizados no seu atelier. Os modelos em forma de desenho criados por Vieira de Matos foram requisitados logo no seu tempo, tanto por colegas de profissão como por colecionadores. Mas esta prática foi também criticada por alguns dos seus colegas, como Cyrillo Volkmar Machado que declararia que este expediente fazia com que ele “…cahisse numa espécie de Maneira, repetindo muitas vezes as mesmas posturas de mãos, as mesmas fisionomias, e até as mesmas figuras” (Cyrillo, 1797, p.28). Na verdade, Cyrillo não compreendia esta prática perfeitamente lícita, aconselhada e elogiada pelos artistas transalpinos, pois não conhecia esta realidade, talvez por nunca ter ido a Itália.
É a soma desse aprendizado italiano que podemos observar nesta pintura da Adoração dos Magos, uma composição magistral para a qual contribuem vários modelos, mas que se resulta numa obra agradável à vista e apreciável aos olhos do cliente para quem foi criada.
Considerando as dimensões e as proporções desta pintura, ela terá sido concebida para ser comercializada com destino a uma galeria de algum colecionador, mais do que para ocupar uma capela ou oratório. O facto de ser pintada ao baixo, a distribuição e as proporções das figuras formando uma cena compacta, tal como a elegância e minúcia da pincelada, sugerem estarmos perante uma pintura para ser vista de perto, e não no topo de um altar para onde Lusitano concebeu normalmente figuras monumentais e composições triangulares que obrigam à observação de baixo para cima.
O pintor usa não só modelos que vai buscar a outras obras de sua autoria, mas também a conhecidas composições anteriores às suas. No primeiro caso está São José que se vê ao fundo de pé, segurando a vara florescida em lírios, e as figuras que se aglomeram no terço do extremo direito da pintura lembrando, pela forma de harmonizar o que se passa no interior e no exterior do cenário, a grande pintura da entronização de D. José de D. Mariana Vitória. No segundo caso está a forma tradicional de colocar a Virgem sentada com o Menino ao colo de perfil na parte esquerda da composição, tendo os Magos no centro da pintura, também eles de perfil, ajoelhados, com um dos reis beijando os pés do Salvador.
Em termos pictóricos, nota-se que existem variáveis na execução das figuras: mais rigorosa e cuidada nas personagens principais e menos definidas nas secundárias, que aparecem na parte de fora do estábulo onde nasceu o Menino. Esta dicotomia dever-se-á à já mencionada forma de trabalhar que era comum às obras de Vieira Lusitano.
Em todo o caso, estas dissemelhanças em nada diminuem a qualidade da pintura, visto que as figuras secundárias devem tendencialmente desaparecer e são pouco importantes na visualização da obra, o que aliás é acentuado pela própria luz do quadro dirigida, como não poderia deixar de ser, para a figura da Mãe de Deus e de seu Filho. Na verdade, o tratamento da luz é um dos fatores distintivos singulares que podemos observar nesta obra de Vieira, e que em poucas outras conseguimos detetar. Tudo leva a supor que esta terá sido encomendada por algum mecenas para completar a sua coleção, seguindo de perto alguma obra existente numa das várias galerias lisboetas, que sabemos Vieira ter conhecido, tendo chegado a trabalhar no inventário de algumas como aconteceu no palácio do marquês de Penalva, em 1758.
Anísio Franco
Historiador de Arte
Leilão Terminado