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"Mother Wears the Wolf's Pelt", 2003
Paula Rego (1935-2022)
Estimativa
180.000 - 250.000
Sessão
14 Novembro 2024
Valor de Martelo
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Pastel sobre papel
84x67 cm
Categoria
Arte Moderna e Contemporânea
Informação Adicional
Exposições:
"Paula Rego", Exposição Antológica, Museu de Serralves, Porto, 2004-2005, Cat. p. 201; "Family Sayings", La Virreina Centre de la Imatge, Barcelona, 2017; "All the Better to See You With: Fairy Tales Transformed", The Ian Potter Museum of Art, Melbourne, 2017-2018; "Paula Rego: Folktales and Fairy Tales", Casa das Histórias, Cascais, 2018.
Bibliografia:
Deryn Rees-Jones, "Paula Rego The Art of Story", Thames&Hudson, il. p. 251; "Paula Rego Retrospective", Tate Britain, London, il. p.44.
Ensaio
A Mãe Manipuladora
Esta peça faz parte de uma série que retrata – ou, melhor, que brinca com – o conto de fadas Europeu ‘Capuchinho Vermelho’, onde uma menina é levada por um lobo a revelar o caminho para casa da sua avó e, lá chegando primeiro que ela, devora a avó e, depois, a própria Capuchinho Vermelho. Nas suas versões mais conhecidas, este é um conto (escrito, no século XVII, a partir de recolhas orais de Charles Perrault e, no século XIX, pelos Irmãos Grimm) de advertência, que nos alerta para o cuidado que devemos ter ao falar com estranhos na floresta. Na versão dos Irmãos Grimm, Capuchinho Vermelho e a sua avó sobrevivem, retirados da barriga do lobo por um caçador que quer a pele do lobo. Esta história foi contada e recontada múltiplas vezes, com diversas variações e interpretações, e de uma forma notável pela romancista Angela Carter, em ‘A Companhia de Lobos’, que a reconta como uma história sobre a puberdade, o despertar sexual e o empoderamento feminino.
A série de pastéis pintados por Paula Rego dá-nos seis momentos da história: Família Feliz: Mãe, Capuchinho Vermelho e Avó [‘Happy Family: Mother, Red Riding Hood and Grandmother’]; Capuchinho Vermelho no limite [‘Little Red Riding Hood on the Edge’]; O Lobo [‘The Wolf’]; O Lobo à conversa com Capuchinho Vermelho [‘The Wolf Chats Up Red Riding Hood’]; A Mãe a vingar-se [‘Mother Takes Revenge’]; e finalmente, esta, A Mãe que veste a pele do Lobo [‘Mother Wears the Wolf’s Pelt’]. O Capuchinho Vermelho de Rego oscila entre uma menina inocente (embora, ‘no limite’ – de quê, maturidade sexual como na história de Carter?) e uma adolescente cética, de braços cruzados diante do ‘Lobo’, claramente um homem, que se parece com um dos modelos mais recorrentes de Rego. A avó pintada por Rego aparece apenas uma vez, desaparecendo no pano de fundo do retrato ‘Família Feliz’, mas a artista introduz uma mãe na sua história, primeiro, abraçando a filha como parte de uma hierarquia maternal tradicionalmente imaginada, que é cruelmente perturbada pelo lobo; depois, atacando o lobo com uma forquilha e, finalmente, a mãe sozinha e triunfante que surge nesta pintura.
Na versão da história de Rego, condensada nesta imagem, o poder feminino e a rivalidade são protagonistas. Se ‘Capuchinho Vermelho’ pode ser interpretada como uma fábula relacionada com o despertar sexual e maioridade, então há nela algo do complexo de Electra; aquele estágio de desenvolvimento identificado por Carl Jung como correspondendo ao complexo de Édipo masculino, no qual uma menina experiencia o desenvolvimento da sua sexualidade como uma competição psicossexual com a sua mãe pela atenção do seu pai. Paula Rego interessou-se pelas teorias de Jung e conheceu um psicanalista junguiano durante a sua vida. Da mesma forma, interessou-se por contos infantis tradicionais, fazendo gravuras e pinturas inspiradas neles ao longo de sua carreira, e vendo-os (tal como às teorias psicanalíticas) como mecanismos amplos e flexíveis para a imaginação individual e reconhecimento coletivo.
Em ‘Mother Wears the Wolf’s Pelt’ a mãe está sentada, elegantemente vestida com um vestido de veludo vermelho, numa cadeira giratória do tipo escritório. Usa um chapéu e uma estola de pele, cuja ponta felpuda é segurada com uma das mãos como se fosse uma mala. A sua outra mão paira de forma protetora – sugestivamente – sobre a sua barriga. Na dinâmica narrativa da série a que pertence esta pintura, esta mãe, claramente, despachou e esfolou o lobo, dominando-o, batendo a filha em qualquer jogo de poder psicossexual que pudessem estar a jogar. Ternurenta em ‘Happy Family’, determinada em ‘Mother Takes Revenge’, e, nesta pintura, simultaneamente, presunçosa e astuta. A mãe vingou-se, mas, de quem? E, quem, ou, o que, está na sua barriga? O lobo? A sua filha?
As mães fazem parte do elenco recorrente de personagens de Paula Rego. Raramente diretas, as mães podem ser amorosas; por vezes, tímidas, retraídas e intimidadas (penso, por exemplo, na mãe desaparecendo em segundo plano em ‘Pregnant Rabbit Telling her Parents’, de 1981, ou reimaginada como um vegetal derrotado em ‘Rabbit and Weeping Cabbage, de 1982’; mas, muitas vezes, a mãe também pode ser conspiradora, competitiva e manipuladora. Nesta pintura, a mãe parece ser do terceiro tipo. Ela tem algo das mães da grande pintura ‘Betrothal’, um dos três painéis do tríptico ‘After ‘Marriage à la Mode’ de Hogarth’, de 1999. Esta pintura mostra duas mães envolvidas em algum tipo de negociação nupcial. Uma delas – a mãe da menina – está sentada no braço de uma cadeira e usa sapatos de salto alto, uma saia justa e um casaco opulento. A outra mãe, que tem o seu filho nervosamente encolhido atrás de si, usa e acaricia uma estola de pele, desconfortavelmente sugestiva da pele do lobo que vemos nesta pintura. Com as suas complexidades e ambiguidades psicossexuais (a menina, por exemplo, parece querer seduzir o espectador ao olhar na sua direcção, enquanto acaricia o seu cão com os seus pés, mas, na verdade, é o olhar do pai, através de um espelho, que ela está a fixar), esta pintura parece tirar algo do trabalho de Rego com o conto ‘Capuchinho Vermelho’.
Esta pintura é feita em pastel de óleo, a técnica que Paula Rego usa como sua assinatura. O trabalho em pastel permitiu-lhe criar pinturas com uma descontração, liberdade e imediatismo mais associados ao desenho. O seu domínio do pastel está em destaque nesta pintura; a marca deixada é, simultaneamente, fluida e descritiva; a superfície da pintura está viva, com uma materialidade e dinamismo que complementam a narrativa, enquanto elevam a pintura do reino da ilustração para o tipo de narrativa original pela qual Paula Rego é justificadamente admirada.
Fiona Bradley
Directora Fruitmarket, Edimburgo
Curadora ‘Paula Rego’, Tate Liverpool, 1996-1997
Leilão Terminado